Após sucessivos adiamentos e intensas negociações, as diferentes facções éticas e religiosas do Iraque parecem ter chegado a um consenso quanto ao novo projecto constitucional, que guiará o país num futuro democrático.

A nova Constituição iraquiana é composta por 60 artigos, divididos em nove capítulos, e segundo os seus autores, tem consagrados as liberdades fundamentais e os direitos das mulheres.

Luísa Neto, advogada e professora de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, afirma ao JornalismoPortoNet que a Constituição “interina” iraquiana consagra em termos formais as liberdades e direitos individuais mais elementares de uma democracia ocidental. No entanto, acredita que o facto de se declarar a adesão aos princípios do Islão, “pode pôr essas mesmas liberdades e direitos em risco”.
Isto porque, neste novo texto constitucional, o Islão foi reconhecido como religião oficial e uma das fontes de legislação. Nenhuma lei aprovada depois de 30 de Junho poderá contrariar os princípios islâmicos. Nesse sentido, Luísa Neto acredita que ancorar uma Constituição no Islão significa “a negação da característica da laicidade do Estado”, requisito imprescindível para que se possa dizer que estamos perante um Estado moderno e democrático.

Outro aspecto que gerou alguma polémica entre os xiitas mais radicais foi o facto da Constituição prever que, na próxima assembleia, um quarto dos lugares seja ocupado por mulheres. “É claramente um sinal de modernidade”, mas como refere a advogada, com o sistema de quotas corre-se o risco de confundir uma democracia de mérito com uma democracia para cumprir números e “essa dúvida só desprestigia as mulheres”, conclui Luísa Neto.

A confirmação da autonomia do Curdistão, é talvez o aspecto mais positivo a retirar deste texto, como reforça esta especialista em Direito Constitucional. A questão do Curdistão provocou e continua a provocar alguma fricção com a maioria xiita iraquiana. Os xiitas receiam que o problema curdo possa vir a ser o principal obstáculo à consolidação institucional do Iraque. Uma posição reforçada pelo líder religioso mais influente do Iraque, o “Ayatollah” Ali al-Sistani, que considera a nova Constituição “um entrave ao futuro e à unidade do país”.

Esta Constituição vai reger o Iraque depois da transferência da soberania dos americanos, que vai ocorrer a 30 de Junho, até à realização das eleições gerais, previstas para o início de 2005.

Carla Sousa