Inadaptação, dificuldades financeiras e uma elevada taxa de insucesso marcam o percurso escolar dos estudantes dos PALOP na UP. Mas há casos de sucesso.

Vêm de Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique com pouco ou nenhum dinheiro no bolso, à procura de mais e melhor formação. Os alunos dos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP) procuram em Portugal o grau académico que não podem obter no país de origem. A maior parte dos estudantes tem um percurso académico problemático e, no final, acaba mesmo por não regressar a casa.

O JornalismoPortoNet foi descobrir o perfil dos alunos PALOP e falou, numa entrevista conjunta, com os responsáveis do Gabinete de Integração Escolar e Apoio Social (GIEAS) da Universidade do Porto, Sotero Martins e Paulo Demée, e com o Professor Nuno Grande, antigo Pró-Reitor, hoje presidente da Fundação Casa da Cultura de Língua Portuguesa.

O perfil

Na Universidade do Porto (UP), 234 alunos dos PALOP estão distribuídos pelas diferentes faculdades, sendo que apenas 29 contam com o apoio de bolsas de estudo do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD). Oriundos de países debilitados social e economicamente, enfrentam sozinhos uma realidade nova que muitas vezes se torna assustadora. Neste período inicial de adaptação, sem apoio familiar, os alunos enfrentam uma exigência escolar a que não estavam habituados e procuram simultaneamente a integração social. “Uma deficiente preparação de base e problemas de integração escolar ditam a elevada taxa de insucesso” afirma Paulo Demée, traçando o perfil que Sotero Martins completa. “Essas dificuldades de integração são particularmente visíveis no insucesso do primeiro ano”.

Agravante da situação é o facto de a maior parte dos alunos não ter bolsa de estudo e os que a recebem terem de contar com os atrasos e a irregularidade da distribuição da verba que lhes é destinada. Perdido o 1º ano, os alunos perdem também a bolsa e vêm-se obrigados a recorrer ao trabalho em part-time, que não raras vezes prejudica os estudos. Os responsáveis do GIEAS apontam ainda a existência de alguns problemas de saúde que, aliados aos financeiros, ditam o quase invariável insucesso escolar dos alunos dos PALOP. Um insucesso que se traduz numa tardia conclusão dos cursos. Paulo Demée acredita que “uma percentagem muito grande dos estudantes africanos tira o curso quase no dobro do tempo estipulado”.

“São os alunos que mais recorrem ao apoio social”

Para responder às necessidades de todos os alunos da Universidade do Porto, o GIEAS presta apoio social e psicológico. Sotero Martins garante que “são os alunos africanos que mais recorrem ao apoio social”, o que significa que são, em média, os que têm menos possibilidades económicas e, por isso, recorrem ao gabinete em busca de apoio para comprar medicamentos ou para manter o lugar na residência universitária. “Há alunos africanos que têm muitas necessidades, há outros que têm menos. Há algum tempo, descobrimos dois estudantes que eram ricos e que até andavam a fazer asneiras”, desdramatiza, com um sorriso, Nuno Grande. Mas esses casos são raros, garante.

“Ajudas pequenas” e Bolsas de Estudo

O IPAD é um dos organismos responsáveis, em Portugal, pela atribuição de bolsas de estudo aos alunos dos PALOP (ao abrigo do Programa Integrado da Cooperação Portuguesa), a par da Fundação Calouste Gulbenkian. Os países de origem também atribuem bolsas, e disso é exemplo o Instituto Nacional da Administração Pública (INAP) de Angola e o Governo de Cabo Verde. Por isso, a Universidade do Porto concede apenas subsídios em alguns casos.

Os alunos do último ano têm prioridade, já que “perderam as bolsas de estudo, estão condicionados por uma ou duas cadeiras e não terminam o curso se não tiverem apoio económico”. Nuno Grande fala de um acordo com o Governo Civil, que analisa os casos dos alunos com mais dificuldades. Apesar de os estudantes finalistas terem prioridade na atribuição de ajuda, “não pomos de lado a hipótese de ajudar outros com mais necessidade”. São “ajudas pequenas”, mas que se revestem de grande importância. “Temos a consciência que este amparo é muito importante para eles. Garante-lhes a comida e a residência e isto é fundamental para quem está a um ano do final do curso.”

Política “Pombalina”

Também a Fundação da Casa da Cultura de Língua Portuguesa (FCCLP), de que é associada a Universidade do Porto, apoia projectos de cooperação inter-universitária. Nuno Grande explica que este organismo estabelece contacto com diversas entidades, funcionando como elo de ligação entre os estudantes e as instituições que disponibilizam subsídios, numa lógica integrada de cooperação. A propósito diz que o funcionamento se assemelha à política do Marquês de Pombal. “Um comerciante da praça de Lisboa estava falido e não recebia apoios de ninguém. Um amigo decidiu falar com o 1º ministro para o ajudar. Num dia de feira, o Marquês entra na loja, cumprimenta o comerciante e vai embora. Quem lhe tinha recusado apoio deu-lhe imediatamente, uma vez que o comerciante conhecia o Marquês de Pombal… E aqui está o que o Marquês fez e nada fez!”, esclarece o presidente da FCCLP. “Apenas damos garantias da natureza do processo dos alunos, porque dinheiro não temos!”, remata.

À parte de políticas orçamentais, há “outras respostas”. Paulo Demée lembra que a Universidade do Porto ajuda na colocação em estágios, na mudança ou transferência de curso e até mesmo na procura do primeiro emprego.

“Não-retorno”

“Estou cá há 7 anos, habituei-me a viver com água e com luz. Quando voltar não tenho uma coisa nem outra”. A decisão de regressar para casa é muitas vezes adiada pelos alunos. Nuno Grande ilustra “o maior problema do estudante africano” com o caso de um aluno finalista de Economia. “Este aluno estava ‘preso’ por uma cadeira que nem era muito importante. Depois de uma conversa chegamos à conclusão que ele não ia embora porque, aqui, tinha as comodidades mínimas resolvidas”. Paulo Demée acrescenta que “os alunos já fazem um percurso escolar tão longo que no final sentem-se mais integrados em Portugal do que no país de origem”. As oportunidades de inserção profissional também entram em linha de conta na hora de considerar o regresso. “Muitas vezes regressam e não são bem recebidos porque têm habilitações que outros não têm… Essa competição em sociedades de crise é terrível!”, garante Nuno Grande.

Há ainda os casos dos alunos que criam laços familiares em Portugal, que os responsáveis do GIEAS não deixam de referir. “Os alunos acabam por casar e ter filhos, ou então trazem a família para Portugal na altura do ingresso na faculdade.” Mas o problema do “não-retorno” pode vir a desaparecer com o regime de prescrições, que é também aplicável aos alunos oriundos dos PALOP.

“A estratégia de alunos e da sua integração social devia ser estruturada ao mais alto nível. E em princípio é. Eles não deviam ficar cá, o embaixador devia fazê-los voltar ao país de origem…” Nuno Grande lembra ainda o extinto Programa de Retorno de Quadros Qualificados, que funcionava sob alçada da Organização Internacional das Migrações. O programa chegou a negociar com a Reitoria da UP o regresso dos estudantes, mas os fundos comunitários deixaram de o alimentar.

Casos de sucesso?

“Muitos!” A resposta é rápida e unânime entre os responsáveis que lidam mais de perto com os alunos africanos. Nuno Grande conta o caso de um ex-aluno do tempo em que leccionou em Angola. “Encontrei-o na estrada que liga Vila Real a Alijó, soube que é director do centro de saúde de Sanfins do Douro. Em tom de brincadeira disse-me que é agora «o mais africano dos transmontanos»!” Paulo Demée garante que “o mais gratificante é poder ajudar estes jovens a concretizar um projecto de vida.”

Para o futuro próximo prevê-se um programa de cooperação das cidades geminadas com o Porto, de momento em stand-by, e que deverá contar com o apoio da Câmara Municipal do Porto. É um programa que “tem sentido” porque envolve graduados, já a trabalhar, que poderão vir até à Invicta para fazer um Mestrado ou Pós-Graduação.

Maria João Cunha

Alguns Números em Portugal

Bolsas do IPAD para 2003/2004 (Formação em Portugal)

    • Angola – 22
    • Cabo Verde – 31
    • Guiné-Bissau – 17
    • Moçambique – 23
    • S. Tomé e Príncipe – 11
    • Total – 104

Fonte: IPAD – Ministério da Economia

Distribuição sectorial de verbas do PIC em 2001 (Programa Integrado de Cooperação)

    • Educação – 8 969 658
    • Bolsas de estudo locais e para frequência do ensino superior português – 1 100 000
    • Total – 76 511 310

Fonte: Diário da República – Resolução do Conselho de Ministros n.º 174/2000