Escreve-se sempre e em qualquer lugar, porque a criação e a escrita é uma possessão. Passar ao papel é exorcismo.

Pedro Eiras é professor na Faculdade de Letras na Faculdade de Letras da UP e, aos 28 anos, conta já com algumas obras publicadas nas áreas do teatro, do romance e do conto. Escreve regularmente textos de natureza ensaística e de crítica literária em publicações nacionais e internacionais. Tem, pois, uma actividade académica notável para a sua idade e se tivermos em conta que está, ao mesmo tempo, a terminar o doutoramento, não será de estranhar que suscite admiração a gestão que consegue fazer do tempo.

O autor de “Um Forte Cheiro a Maçã” assegura que, apesar da quantidade “realmente absorvente” de actividades que desenvolve em simultâneo, nunca fica muito tempo sem escrever. De alguma forma, escreve sempre. E a explicação divide-se em duas respostas. Em primeiro lugar, importa perceber esta ideia: “escreve-se aqui dentro, portanto está-se a escrever um pouco a toda a hora. É-se literalmente domado por essa escrita. É uma espécie de possessão e, quando muito, passar para o papel é mais exorcismo do que a verdadeira criação. A criação acontece antes, possivelmente. Às vezes acontece durante o papel, mas não é no papel, é aquém do papel que está a acontecer.” Em segundo lugar, e num sentido mais físico, “escreve-se de pé na paragem do autocarro, escreve-se a caminhar entre a sala e o quarto… Escreve-se um pouco em todo o lado, a toda a hora e sacrificando algum sono, necessariamente.”

A faculdade “dá pistas, não dá matérias”

Enquanto professor, Pedro Eiras tem uma visão muito ampla acerca do que a faculdade tem para oferecer aos alunos. “Há quem peça unicamente a tal transmissão dos conhecimentos, mas há também uma quantidade de investigação possível… Agora, o que me parece interessante na faculdade é como os próprios programas, as bibliografias, etc., são meramente um ponto de partida. Claro que há um programa base, há determinados autores por onde se passará, mas a faculdade dá instrumentos, não dá conteúdos. Dá pistas, não dá matérias, propriamente.”

Pedro Eiras encontra, por vezes, mais validade no desvio que a matéria leccionada poderá permitir que no programa original. A ideia-chave será “tentar explorar novas linguagens, tentar fornecer novas linguagens junto do aluno ou receber, eventualmente, a linguagem do próprio aluno. É mais isso do que tentar plastificar e moldar as nossas consciências do mundo.”

A escrita enquanto “milagre”

A escrita é vista pelo autor como “um milagre”. Pedro Eiras assevera que nunca fez questão de ser escritor. “Sem presunção, foi algo que me aconteceu. Dei por mim a escrever, praticamente do dia para a noite. Seria quase possível apontar o momento em que me aconteceu. Foi pelos 14 anos, mais ou menos. Subitamente.” E, de qualquer modo, o autor confessa alguma relutância em usar a palavra ‘escritor’, nos dias que correm. “Não sei se não é até um pouco desrespeitosa para com pessoas como Proust ou Kafka ou Beckett… Não sei se eles são escritores… Eles são algo muito diferente de um mero escritor… Tem mais a ver com o tal milagre, eles fazem algo que não existia antes. Não é escrever livros, não é publicar meramente textos. É um acontecimento mais lato.”

Catarina Santos