O edifício do antigo Colégio Garrett, na Praça Coronel Pacheco, acolhe provisoriamente há mais de três anos, a Academia Contemporânea do Espectáculo (ACE). A ACE tem duas vertentes: escola de formação de actores e técnicos de realização teatral e a companhia profissional de teatro que apresenta uma programação anual regular. As duas partilham o mesmo espaço. Os produtores da companhia são professores da escola mas as duas realidades não se confundem, a não ser pontualmente.

Alargou a oferta em formação e teve repercussões na produção

A escola foi fundada em 1990 e é tutelada pelo Ministério de Educação. Surgiu na sequência de uma parceria das companhias profissionais de teatro do Porto com o Ministério da Educação, a Fundação Gulbenkian, a Câmara Municipal do Porto, o Governo Civil e a Fundação Engenheiro António de Almeida.
A ACE forma alunos em Interpretação, Realização Plástica (Cenografia, Figurinos e Adereços) e Realização Técnica (Iluminação, Sonoplastia e Direcção de cena). Os cursos são de três anos: no primeiro ano e meio, os alunos experimentam de tudo e, na segunda parte do curso, especializam-se mais numa valência dentro do curso.
A habilitação literária exigida à entrada em qualquer um daqueles cursos é o 9º ano. Pedro Aparício, director pedagógico da escola, explicou ao JornalismoPortoNet (JPN) que os alunos da ACE são, regra geral, vais velhos e têm habilitações superiores. “Numa área como esta as famílias resistem um bocado. Os miúdos com 15 anos são muito novinhos, não se conseguem impor. Muitas vezes fazem o 10º ou 11º e acabam por fazer valer a sua vontade e entram na escola”. Rita Rios esta na ACE há cinco anos. “Fiz dois anos de interpretação. Depois desisti e voltei para cenografia. Estou a acabar o curso”, diz. No caso da Rita a família e os amigos acharam que devia fazer o q gosta. “Acabei o 12º ano na escola secundária normal e, entre vir para uma faculdade ou para vir para uma escola profissional, optei pelo ensino profissional porque aqui se tem uma relação mais familiar e eu trabalho melhor”. A interpretação n]ao convenceu a Rita que parou uns meses para decidir o que queria fazer. “Tinha feito o 12º de Artes normal, fazia-me falta o lado prático. E vim para cenografia. Estou a gostar muito, foi uma mudança enorme”, explicou a aluna ao JPN.
Pedro Aparício, que também é produtor da companhia, chama à atenção para a importância desta escola. “Não existia fora de Lisboa nenhuma escola de teatro. Isso reflectia-se numa certa pobreza de criação e estruturas. A existência da escola permitiu renovar a produção teatral aqui”, disse. Companhias como As Boas Raparigas, O Teatro Bruto ou O Teatro Plástico foram fundadas por alunos formados na ACE. Essa primeira fornada de actores e técnicos da ACE “fez com que, ao longo da década de 90, fossem finalmente aparecendo novas companhias”, acrescentou Pedro Aparício.

Não falta espaço no antigo Colégio Garrett

O ACE ocupa provisoriamente as instalações na Praça Coronel Pacheco desde 2000. Antes de se mudar para o antigo Colégio Garrett, a ACE funcionou em vários sítios e teve sede na Rua D. Manuel II.
“Estamos desde 1998 para ser transferidos pela câmara para o palácio do bolhão. Por isso é que a companhia se chama ACE Palácio do Bolhão”, explicou Pedro Aparício sobre o futuro da ACE. A escola é financiada pelo ministério da Educação mas parte do financiamento total deveria vir da Câmara do Porto. A mudança de liderança da câmara adiou a mudança da ACE para o Palácio do Bolhão, edifício antigo à espera de reabilitação.
O edifício, que já albergou a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e o Colégio Luso Internacional do Porto, têm o espaço necessário às actividades dos cursos e da própria companhia de teatro, como explica o director Pedro Aparício: “Ao nível da interpretação são precisas grandes salas de movimento e, nesse aspecto, este antigo colégio é muito bom. Os antigos dormitórios deram salas enormes”.

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No antigo colégio espaço não falta. O facto de haver muitos espaços pequenos favorece a separação entre o que é trabalho da escola e o que é trabalho da companhia. E “numa escola assim, são precisos muitos espaços pequeninos para o estudo de som, para o estudo de vídeo, para a sala de guarda-roupa”.

Equipamentos e infra-estruturas

Apesar da propina dos alunos ser de 25 euros por mês, os cursos da ACE canalizam um investimento muito grande. O equipamento da escola é adquirido através do ministério mas os alunos, sobretudo os plásticos (os da cenografia, figurinos, adereços e maquilhagem), gastam algum dinheiro em material próprio. Os alunos carenciados têm direito a uma bolsa de estudo.
Para além do auditório, os alunos têm “uma sala, que se chama “blackbox”, uma espécie de laboratório de iluminação onde estão aplicados uma série de projectores para fazer testes de luz”, diz o director da escola. A secção de sonoplastia conta com uma oficina e um estúdio. Nestes espaços, necessários a uma formação técnica, decorrem as aulas mais práticas.

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O espólio de guarda-roupa da ACE é enorme, fruto de muitos anos de existência da escola e de exercícios práticos de produção de vestuário que os alunos fazem, no mínimo, duas vezes por ano. “Além disso, em 2001, a escola fez espectáculos de rua. No caso da Ponte de Sonhos, com mil participantes. Foi uma coisa enorme, ao ar livre, com 70 mil pessoas”, acrescentou Pedro Aparício. Uma das cenas de rua que fizeram foi o desfile de um exército liberal, com fardas de época que compraram de propósito. As roupas do exército integram um espólio acumulado considerável.

E depois da escola?

Como a ACE, em Portugal, existe a Escola do Politécnico. A formação profissional na área do teatro é, desta forma, uma mais valia na altura de arranjar um emprego. Pedro Aparício explicou ao JPN que os “técnicos têm mais possibilidades de emprego” porque, nos últimos anos, “abriram imensos teatros. Há menos pessoal técnico e não é só isso: são esses que fazem funcionar os teatros”.
Rita Rios sabe que o mercado de trabalho não está fácil e diz que isso acontece, “principalmente, porque o mundo do teatro neste momento está cada vez mais ligado à interpretação e ao texto que aos cenários que são minimalistas”. A aluna diz que hoje “se acredita que o teatro é possível só com o actor e às vezes não há cenário nenhum”.

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A Rita interessa-se por cenografia, não só pela área do teatro, mas pela área da instalação, decoração de espaços e uma série de outros eventos alternativos que não propriamente teatro”. Não tem pressa de trabalhar até porque não se sente preparada. “Tenho sede de saber. Quero saber mais e mais até achar que sei fazer bem uma coisa. Aqui não sei e não vou sair daqui a saber. Três anos são muito pouco para qualquer pessoa do mundo, em qualquer escola”.
Em Maio, a Rita vai fazer provas ao Instituto Del Teatro, em Barcelona. Já concorreu a uma bolsa na escola. Se entrar na escola espanhola por dois anos, a Rita fica com uma licenciatura feita. Mas a aluna tem outra opção: “se não entrar e ficar no Porto, acho que vou para a ISMAI porque penso que hoje em dia um curso superior é efectivamente necessário. Antes de vir para aqui não achava”.
Mais do que um curso superior, a Rita acredita que “o que importa é ser-se realmente bom naquilo que se faz”.

Ana Isabel Pereira (texto e fotos)