O problema é a falta de verbas. O impasse dura há dois anos e no meio está um protocolo que foi quebrado pela Câmara do Porto.

A par do que sucede com o Pavilhão da Água, também o Planetário do Porto atravessa uma fase de graves dificuldades financeiras. O risco de fechar é iminente. A manutenção do equipamento sai cara e a Câmara do Porto não dispõe de verbas suficientes. Por outro lado, a contribuição da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), tutelada pelo Estado, revela-se insuficiente.

A polémica instalou-se entre a autarquia do Porto e a Fundação para a Ciência e Tecnologia quando Ramoa Ribeiro, presidente da FCT, anunciou um corte de 18% no subsídio do Planetário, o que significa que, em vez dos 110 mil euros previstos, a autarquia receberia apenas 90 mil. Entretanto, a Ministra da Ciência e Ensino Superior, Graça Carvalho, já garantiu a Rui Rio, presidente da Câmara do Porto, que não irá haver corte. O problema que se coloca agora é o de saber quando chega esse subsídio e quem gere, neste momento, o Planetário do Porto.

Para solucionar a questão, Ramoa Ribeiro propôs à autarquia do Porto que a Fundação Ciência e Desenvolvimento (FCD), gestora do Planetário, apresentasse uma candidatura para integrar o equipamento no programa Ciência Viva. Por outro lado, Paulo Cutileiro, presidente da FCD e vereador da Educação da Câmara do Porto disse, em declarações ao jornal Público, que rejeitava a proposta. “Constatámos que não era assim tão possível como parece”, explicou. O JornalismoPortoNet (JPN) tentou ouvir Paulo Cutileiro mas até ao momento não foi possível. A autarquia queixa-se da falta de apoio do poder central, e remete a questão para a FCT, entidade tutelada pelo Ministério da Ciência e associada da rede Ciência Viva. Contactado pelo JPN, o presidente da FCT, Ramoa Ribeiro, escusou-se a prestar declarações sobre o assunto.

Um “impasse”

O Planetário do Porto é propriedade da Fundação Ciência e Desenvolvimento (fruto de uma parceria entre a Câmara e a Universidade do Porto), a mesma entidade que gere o Teatro do Campo Alegre e o Pavilhão da Água. No entanto, a programação do Planetário é feita pelo Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP), que funciona nas instalações daquele equipamento e é dirigido por Teresa Lago.
Em declarações ao JornalismoPortoNet, Teresa Lago esclarece que, inicialmente, foi feito um protocolo que estabelecia as condições de gestão do Planetário. Esse acordo envolvia o então ministério da Ciência e Tecnologia, representado pela FCT, a Universidade do Porto (UP), representada pelo Centro de Astrofísica, e a Câmara do Porto, através da FCD. A directora do CAUP referiu ainda que “o protocolo que existia dizia que o Planetário do Porto é um centro Ciência Viva, com direito a financiamento”. “Havia um conselho directivo que negociava com o Ciência Viva”, explica a directora do CAUP. De acordo com Teresa Lago, o Planetário do Porto foi integrado na rede Ciência Viva em 1996, aquando da inauguração do equipamento. A partir daí, passou a ser “co-financiado anualmente pela agência Ciência Viva”, explica.

Ao que tudo indica, o referido acordo já não existe, pois “em Maio de 2002 a FCD decidiu denunciar o protocolo que estava em vigor”, esclarece Teresa Lago. Isto significa que o Planetário não tem conselho directivo desde Novembro de 2002, e por isso “não tem tido orçamento nem programa anual”, sublinha a directora do CAUP. “O que estava previsto é que o protocolo pudesse ser renovado consecutivamente, a menos que fosse denunciado, e iria ser automaticamente renovado em Novembro de 2002″, mas entretanto a FCD quebrou a parceria, e o protocolo “deixou de ter valor”, explica a directora do CAUP. Teresa Lago chama ainda a atenção de que “o Ciência Viva é um programa do Ministério da Ciência e Ensino Superior”, e que “para o Ciência Viva apoiar um projecto é preciso que tal esteja protocolado”, e o protocolo que existia “foi quebrado a pedido explícito da FCD”.

Em declarações ao jornal Público de 12 de Março, Paulo Cutileiro lamentou que os custos de manutenção do Planetário venham sendo suportados quase unicamente pela Câmara do Porto.

“Com a criança nos braços”

Uma vez quebrada a parceria a três, o Planetário fica a cargo da FCD proprietária do equipamento. Por isso, “neste momento a FCT não tem nenhum compromisso de financiamento porque não há um protocolo”, esclarece a directora do Centro de Astrofísica. O Planetário continua a receber subsídios anuais da FCT, mas ao que o JPN conseguiu apurar, esse apoio chega tardiamente. Em 2003, o Planetário recebeu as verbas que lhe estavam destinadas já no final do ano.
Relativamente ao atraso nos subsídios da FCT, Teresa Lago diz que “é natural, pois não há um protocolo que os compromete a financiar o Planetário”. “Até me surpreende que tenha recebido o subsídio”, remata.
Para Teresa Lago, a situação é muito simples, pois “basta que haja um protocolo que clarifique” a situação. A FCD “tem de clarificar se o ministério da Ciência ainda é um parceiro e se o projecto ainda é uma parceria a três”. Lago acrescenta ainda que o Planetário “funcionou muito bem enquanto houve um protocolo” e que agora “estamos num impasse há dois anos”.
“Quando denunciou o protocolo, a FCD ficou com a criança nos braços. Isto é o que se passa”, disse Teresa Lago em declarações ao JornalismoPortoNet.

“Uma questão de importância”

Quanto à alegada falta de verbas da Câmara do Porto para subsidiar o Planetário, Teresa Lago garante que isso “depende da importância que a autarquia dá à cultura científica no Porto. Se a autarquia considera que a cultura científica da população do Porto é importante, certamente que há-de arranjar algum modo de co-financiar as actividades de cultura científica. Se achar que não é importante, naturalmente corta. É uma questão de importância”.

Para Francisco Ribeiro da Silva, vice-reitor da Universidade do Porto e também administrador da Fundação Ciência e Desenvolvimento, “a Câmara tem obrigação de contribuir com uma parte substancial”, mas afirma: “eu não sei se é a Câmara, se não deveriam ser as câmaras”. Ribeiro da Silva sustenta que “quem vem visita o Planetário não são apenas as pessoas do Porto, são pessoas do Norte do país”, porque “só existe um outro Planetário em Lisboa, que tem sido altamente financiado”, afirma. Ribeiro da Silva sustenta ainda que a FCD não tem feito orçamentos para o Planetário porque “a Câmara não tem verbas”.

“Lisboa está muito favorecida”

Para Ribeiro da Silva, vice-reitor da Universidade do Porto e também administrador da Fundação Ciência e Desenvolvimento, “o importante é que o poder central subsidie a investigação científica” e a “divulgação da Ciência”.

Em declarações ao jornal “Público”, o vereador da Educação da Câmara do Porto, Paulo Cutileiro, disse que o funcionamento do Planetário “pode estar em causa” devido ao desinteresse e alheamento da administração central”.

Ribeiro da Silva critica a “desproporcionalidade” que considera haver entre Lisboa e Porto no que toca ao investimento que é feito na área da cultura e divulgação científica. Referindo-se ao investimento de 2,5 milhões de euros que a FCT está a fazer no Pavilhão do Conhecimento em Lisboa, Ribeiro da Silva conclui que “nós temos é de comparar aquilo que se gasta na capital”, e “as coisas têm que se pôr no pé da equidade. Já não digo igualdade, mas equidade”. Tem de haver “uma distribuição equitativa”, sublinha o vice-reitor. Na opinião de Ribeiro da Silva, o programa Ciência Viva, criado pelo Ministério da Ciência, “tem investido em muitos sítios”, mas afirma que em Lisboa o investimento tem sido maior. Relativamente à distribuição dos subsídios, o administrador da FCD sustenta que “o bolo é dividido em 10 partes, mas oito são para a capital e região envolvente e duas para o resto do país”. Para Ribeiro da Silva, “esta lógica tem que ser combatida”, pois “não pode ser tudo para um lado”. O vice-reitor da UP remata dizendo que “o nosso país é atavicamente centralizado”.

O perigo de o Planetário fechar as portas “existe e não vale a pena enterrar a cabeça na areia e dizer que não existe”, afirma Ribeiro da Silva, para quem essa hipótese “tem de ser muito remota, pois mau era se o Estado deixava que o Planetário encerrasse”, conclui.

Por outro lado, Teresa Lago afirma que o encerramento do Planetário “é uma decisão da Fundação Ciência e Desenvolvimento, que é a proprietária do Planetário e que criou esta dificuldade ao denunciar o protocolo” que estabelecia uma parceria entre a FCD, FCT e Centro de Astrofísica.

Uma perda para a Educação

“Acho que era impensável que o Planetário deixasse de funcionar”. Confrontada com um possível encerramento do Planetário, Teresa Lago alerta para a importância deste equipamento, que considera “extremamente importante para fazer a promoção da Ciência junto dos mais jovens. “Temos quase 400 visitantes por dia de escolas. Há quatro sessões por dia
para as escolas” e há uma “grande procura” por parte destas instituições, garante a directora do CAUP.

Também Ribeiro da Silva salienta a importância do Planetário para a Educação, referindo que “aprende-se mais a visitar”, e concorda que o seu encerramento seria “uma tragédia”.

Mas o certo é que todas estas dificuldades estão a afectar o normal funcionamento do Planetário, acabando por prejudicar a programação dos eventos. As escolas são as principais prejudicadas com esta situação. Manuela Araújo, professora de ciências da Escola Secundária António Nobre, no Porto, disse ao “Jornalismo Porto Net” (JPN) que o Planetário é “um importante centro de divulgação científica”, e sublinhou a importância deste equipamento para as aulas. “É um complemento do programa lectivo”, e a visita ao Planetário “está integrada também nos programas do ensino secundário”. Para Manuela Araújo, o possível encerramento do planetário constitui uma “grande perda para a área da Educação”.

Ana Correia Costa