José Saramago esteve terça-feira na Faculdade de Arquitectura do Porto a apresentar o seu novo livro.

“Não sou pessimista. O Mundo é que é péssimo”, afirmou o Prémio Nobel, que quer que este, como todos os outros livros que escreveu, contribua para o pensamento e reflexão. “Tenho 81 anos e vou sair da merda deste Mundo sem esperança”, afirma. Esperança que espera ter reencontrado nos jovens, pois, em sua opinião, “há uma insatisfação dos jovens perante um Mundo que já não oferece nada, só vende”. Reconhece que o livro não “vai modificar em nada a vida de um jovem”, mas diz que “gostaria que mudasse alguma coisa no seu espírito”.

Quinta-feira, foram postos à venda cerca de 80 mil exemplares, segundo informação disponibilizada pela Editorial Caminho, mas já são muitas as solicitações por parte das livrarias.

De repente, toda a gente começou a falar no voto em branco, na democracia. Esta adesão dos portugueses ao seu livro significa que estes se interrogam. Segundo José Saramago, “as pessoas querem compreender o sistema onde estão. As pessoas querem dar uso à cabeça. Esta sociedade precisa de cidadãos que pensem e ajam em consciência”.

A história deste ensaio passa-se num país não identificado (mas com clara referência a Portugal), onde há eleições autárquicas e, nessas eleições o voto em branco chega aos 70% na capital do país. Repete-se a eleição e o problema aumenta: o voto em branco atinge os 83%. O governo é incapaz de compreender e decide entrar pelo caminho da “redenção”, porque, diz Saramago, “não há governo no mundo que esteja preparado para esta situação”.

O “Ensaio sobre a Lucidez”, assegura Saramago, “toca um assunto que não é tabu, mas tem que ver com o exercício cívico de voto e suas consequências”. “Como acontece com tudo o que está à vista, acabamos por não ver” essas consequências, refere.

Saramago fala do voto em branco mas é candidato pela CDU

José Saramago é candidato pela CDU ao Parlamento Europeu numa altura em que lança um livro repleto de referências ao voto em branco. O autor explica esta aparente contradição: “Sou candidato por simples fidelidade ao meu partido”.

O escritor garante que não anda “a fazer propaganda ao voto em branco”, apenas diz que ele existe e que é para usar. Neste novo “ensaio, romance, fábula, sátira e tragédia”, José Saramago mostra que o voto é “indispensável ao sistema democrático”.

“Uivemos, disse o cão”. A escolha desta frase para epígrafe do romance prende-se com a ideia de que os homens são os cães e, como tal, devem uivar. “Já é tempo de uivarmos. Todos nós devemos levantar a voz”, afirma José Saramago, para quem o próprio romance pretende ser um «uivo».

Apesar da sua visão menos positiva do Mundo, Saramago diz que não é um homem resignado, e até brincou: “quando morrer quero que ponham sobre a minha lápide: ‘Aqui jaz, indignado, José Saramago'”. E foi com bom humor que disse: “a minha maior luta é escrever, sempre apoiado na minha bengala, a Pilar” (sua mulher).

Vânia Cardoso