Talvez por essa razão, Maria José nunca se tenha apercebido da existência de uma polícia política e nunca tivera a percepção de estar a ser vigiada.

Só com o tempo é que Maria José foi reconhecendo a existência de um regime opressor: “havia um cinzentismo na época, de tal forma que as notícias do «Telejornal» não despertavam curiosidade, especialmente as relacionadas com a política interna, porque se sabia que eram sempre filtradas e censuradas. Apenas estava atenta ao que poderia acontecer no mundo”, refere Maria José.

Mais tarde, já casada, saiu da sua terra. Mudou-se para o Porto e foi no Coliseu, num comício promovido pelo MUD (Movimento de Unidade Democrática), que se apercebeu realmente da falta de liberdade de expressão. Na altura, o comício tinha sido autorizado – como era procedimento habitual – para um determinado período de tempo. “Contudo, quando este expirou, ainda estavam a falar e a Polícia pretendia interromper pura e simplesmente a sessão”.

“Virgínia Moura e outros que estavam na mesa recusaram-se a interromper a sessão, porque o comício ainda não tinha terminado. As pessoas presentes bateram-lhe palmas, a berrar contra o tenente da GNR e a cantar o hino nacional”, conta. Maria José confessa que esta foi das situações que mais a comoveu.

Assim, foi com uma grande alegria que recebeu a notícia do 25 de Abril.
Em 1974, tinha 30 anos e era uma jovem mãe de dois filhos pequenos. Nesse dia, tinha saído para fazer umas compras e foi na rua que ouviu a “boa nova”. “Fiquei eufórica. Fui para casa a correr, a dar conhecimento do acontecido. E, a partir desse momento, tudo ficou em segundo lugar – as tarefas de casa e os filhos -, porque estava pregada quase 24 horas por dia ao écran de televisão e a ler avidamente os jornais”, recorda Maria José.

Os dias que se seguiram foram também vividos com uma enorme paixão. “Discutia-se muito. Era-se solidário com determinadas actividades da zona. O meu ‘saudoso’ sogro aderiu ao apelo de limpeza das ruas e foi ‘de sacholinha’ limpar os passeios junto da casa onde vivíamos. Isto agora é impensável que alguém faça assim tão voluntariamente”, assinala Maria José.

Hoje, olhando para 30 anos de liberdade, Maria José não tem dúvidas ao afirmar que muito falta fazer para que, como dizia o poeta, “se possa cumprir Portugal”. Segundo a entrevistada, os recursos financeiros que vieram da União Europeia não foram bem utilizados. Acha que Portugal devia ter investido especialmente nos recursos humanos, “o que não foi feito”. Na sua opinião, “o desenvolvimento do país – que era um dos objectivos do 25 de Abril – com os 3 D’s, é o que tem sido mais difícil de conseguir”.

Depoimentos dos Professores
Cristina Macedo – Uma perspectiva diferente da Revolução
Fernando Reis – Um delegado do MFA na Guerra Colonial

Hugo Correia