O Expresso chegou a ser sancionado com a Prova de Página?

Marcelo Rebelo de Sousa – Eu sou um responsável da primeira experiência de prova de página. Francisco Balsemão tinha ido para Madrid a uma conferência. Foi a primeira ocasião em que me deixou sozinho a liderar o Expresso e eu aproveitei para fazer publicar 28 prosas cortadas pela censura… Logo 28… Eu achei que, para ser, tinha de ser o jornal todo e foi uma edição de luxo porque saiu tudo como se não houvesse censura.
Eu estava a deitar-me, eram para aí 7-8 da manhã e tinha o director geral de informação a perguntar-me: “O Sr. Dr. é maluco! Não, o Sr. Dr. está doido! Já viu bem o que é que saiu?” e eu disse… “Bom! Sabe, foi uma opção!”… Mas uma opção que significa prova de página…

Em que consistia a Prova de Página?

MRS – A sanção de prova de página era muito pesada, porque não era só submeter cada uma das provas a censura; era também a sua maquetagem, os títulos, a inserção, os anúncios, as legendas das fotografias, as fotografias, a própria página que era escolhida… Tudo!… O que permitia aos coronéis, que faziam isto indefinidamente, adiarem o fecho do jornal, de tal maneira que, se não tivesse vindo o 25 de Abril, acho que o Expresso teria muita dificuldade em sobreviver. (…)
Nas últimas semanas o Expresso estava a sair às 12.00/13.00 de Sábado (…) em Lisboa, o que quer dizer que o jornal não chegava a nenhum ponto do país a tempo no próprio Sábado. As comunicações não eram o que são hoje. Ao Domingo não havia transportes, pelo que chegava ao resto do país só na Segunda-Feira. Portanto, estava a ter quebras de venda e de circulação muito grandes, o que, aliás, era objectivo da prova de página.(…)

O que é que destacava o Expresso da imprensa da época?

MRS – Nós éramos em termos de idade (…) muito mais novos do que a imprensa que existia mais liberal – a “Vida Mundial”, “A República” e o “Diário de Lisboa”. Éramos muito mais novos, tínhamos outro tipo de cosmopolitismo e contactos internacionais.
Havia uma preocupação cultural mais ampla. Por exemplo, no início havia um conto de um autor diferente todas as semanas. Por lá passaram os melhores escritores de Portugal da altura, sempre com um desenho de um grande artista plástico. Tínhamos uma secção cultural muito desenvolvida que foi sempre um prato forte do Expresso. Tínhamos noticiário internacional como ninguém tinha na altura.
Dávamos um peso à economia e à reportagem que a imprensa clássica não dava, e sobretudo tínhamos uma coisa que era única: o Expresso era um jornal que era diário no dia em que saía. Isto era muito anglosaxónico. (…) Alguns dos fundadores foram estagiar nos jornais do Lord Thompson, que era então dono do grupo Times – estiveram no “Sunday Times” e conheceram bem o “Observer” e o “Sunday Telegraph”. A ideia era somar num jornal o lado hebdomadário e a actualidade.(…) A primeira, a última página e algumas das páginas que era possível fechar no próprio dia eram de um jornal diário, competindo com os jornais diários numa altura em que estes não tinham grande capacidade de manobra por causa da censura.

Ideologicamente, como é que era constituída a redacção do Expresso?

MRS – O Expresso era uma mistura muito curiosa: retinha esta cúpula, chamemos-lhe “tecnocrática e liberal”, muito ligada ao PPD, mas depois tinha uma estrutura muito de esquerda, à esquerda do PC. Nunca tivemos muito PC. Tínhamos alguns socialistas – vários – e tínhamos muito aqueles partidos: UDP, Maoístas de várias colorações, FEC etc… Tínhamos muita gente que tinha estado no CDS em 69, mas tinha uma posição um bocadinho mais crítica em relação à “Esquerda Ortodoxa”. (…)

Reportagem: Hugo Correia

Fotografias: Márcio Cabral