Como é que passou esse dia?

Ligado ao «Expresso», como é natural.
Na véspera (uma quarta-feira), fui assistir a um jogo internacional de futebol, transmitido pela televisão, do Sporting e um clube qualquer para uma Taça Europeia, a casa de um amigo, no Restelo. O jogo era às 21h45 e acabou por volta das 23h00. Fui trabalhar para o «Expresso», como de costume. Vim do Restelo para o Marquês do Pombal, para a Rua Duque de Palmela, onde cheguei por volta das 0h30. Estive a trabalhar até às quatro/cinco horas, a aviar prosas… (…)
Eu vivia no Monte do Estoril. Quando parti para descansar qualquer coisa, vi movimento de tropas. Fui apurar o que se passava. Depois tive que tomar uma opção: percebi que ia ser um longo dia, e fui num instante a casa tomar um duche, porque não estava operacional. Telefonei para várias pessoas: lembro-me de ter ligado ao Francisco Sá Carneiro, Francisco Balsemão, João Salgueiro, para o António Guterres.
Telefonei também para os meus pais. O meu pai era ministro do Ultramar na altura. Quando lhe telefonei, ele não tinha conseguido falar com o dr. Marcelo Caetano e tinha saído para ir ao Ministério do Ultramar.
Então, durante o dia, ia tentando falar com o meu pai, que aliás falara algumas vezes com o dr. Marcelo Caetano dizendo: “o Marcelo diz que o caso está arrumado”.
Mas, nos últimos anos, o dr. Marcelo Caetano já estava muito irritado comigo pelas minhas posições, sobretudo ligadas ao «Expresso», e dizia: “Ah! Isso é o costume dele, ele diz sempre isso, ele é do contra!”, porque acreditava até ao fim que as tais “forças fiéis” viriam da província para salvar Lisboa.
Depois voltei para Lisboa e fui para o «Expresso». E aí assisti a coisas “muito divertidas”, como sejam as movimentações.
Chuviscava. Foi um dia em que chuviscou ligeiramente de manhã e melhorou para a tarde. E depois estávamos agarrados aos telefones com os vários repórteres nos sítios mais variados: no Largo do Carmo, no Terreiro do Paço, na Pontinha, no Rádio Clube Português a acompanhar, e foi todo o dia assim. Acelerando, a partir das 11, 12 horas.
Depois, já não me lembro a que horas me deitei, mas todos nós esperámos, como era natural, para cobrir exaustivamente. É preciso ver que o jornal saía no sábado e portanto tinha que fechar na sexta. Estávamos já na quinta-feira à noite! Tudo aconteceu na madrugada de quinta para sexta, nomeadamente a apresentação da Junta de Salvação Nacional.
Ou seja, 24 horas antes, nós tínhamos de estar “fechados” e saímos no dia 27 com uma edição completamente nova! A edição que estava a ser preparada até ao dia 25 era muita dela já visada pela censura. Refazer todo um jornal, que era broadsheet, um jornal em dois cadernos, que tinha partes como a Cultura, como o Desporto, que eram fechadas com muita antecedência. Foi obra! Para além de que estava tudo tão excitado com os acontecimentos que fazer um jornal era o mais difícil de se ter a serenidade de se conseguir fazer. Mas fez-se!

Hugo Correia

Fotografias: Márcio Cabral