Como foi ser repórter no local dos acontecimentos?
Eu estava desempregado na altura. Tinha sido proibido de trabalhar na rádio em 1972 na sequência de um texto que não apresentei à censura na Rádio Renascença. Estive no estrangeiro e voltei para trabalhar na “Seara Nova”. No dia 25 de Abril já tínhamos fechado a edição da revista; saí para a rua, fui avisado entre as 6 e meia e as 7 da manhã. Profissionalmente não tinha nada para fazer porque a revista já tinha fechado para sair no dia 1 de Maio.
Tentei chegar junto dos militares e quando o fiz, já quase às 10 da manhã, juntei-me aos fotógrafos e aos jornalistas da escrita no Terreiro do Paço. Por um feliz acaso, o comandante da coluna, Salgueiro Maia, tinha andado comigo no liceu – passei a acompanhar aquela coluna como os fotógrafos, o Alfredo Cunha, o Eduardo Gajeiro, o Carlos Silva e jornalistas da escrita também.
Testemunhei os acontecimentos até às 7 da tarde, quando saiu o Marcello Caetano e os seus ministros presos do Quartel-general da GNR no Carmo. Tive também a sorte de encontrar-me com dois repórteres do programa “Limite”, o programa da RR que tinha emitido a senha [da revolução] que primeiro me entrevistaram e depois me deram “boleia” porque deixaram-me fazer a reportagem para eles. A partir daí, voltei a ser um repórter de rádio e foi assim que relatei para um gravador Uher os acontecimentos.
Na altura conseguiu distanciar-se do ambiente de festa ou foi difícil separar o repórter do democrata?
Nos primeiros minutos de reportagem acho que fui absolutamente distanciado, mas quando a coluna de Salgueiro Maia saiu em direcção ao Carmo (chegou ao Rossio e subiu até ao Carmo), a multidão irrompeu em gritos de aplauso e apoio. A partir daí, não era necessário ao repórter fazer exercícios de distanciação porque bastava descrever aquilo que estava a acontecer. Como cidadão estava felicíssimo, mas não precisava de pôr nada da minha felicidade [no relato] pois ela estava nos rostos e nas vozes daquelas milhares de pessoas.
Foi uma reportagem feliz nesse duplo sentido; uma reportagem em que como repórter limitei-me aos factos, mas em que os factos eram “amigos”. Eram os factos que eu desejava que acontecessem como repórter. Acho que fui extremamente objectivo tanto quanto é possível, numa situação em que o adjectivo era substantivo: bastava pôr o microfone [para a população] para eles dizerem aquilo que o mais entusiasmado repórter não conseguiria dizer.
Como é que foi falar sem censura pela primeira vez?
Eu já tinha tido uma experiência de falar sem censura oito meses antes porque estava na Voz da Alemanha no dia do golpe de Estado do Pinochet. Fiz uma reportagem de uma manifestação da população contra o golpe de Estado em que as populações gritavam “Abaixo o fascismo!”. Foi a primeira vez que pude dizer para um microfone, em português, “«Abaixo o fascismo» gritam as pessoas”. [A reportagem do 25 de Abril] foi a segunda, mas na nossa terra sabe melhor.
Como é que imagina que seria hoje a cobertura mediática de um acontecimento daquela escala? Há diferenças entre a reportagem e o directo de então e os de hoje?
É praticamente inimaginável. Salgueiro Maia, que teve tanto prazer em deixar que os jornalistas e o povo andassem pelo meio dos seus soldados sem que interferissem na acção, não sei se hoje não necessitaria de fazer um cordão sanitário para impedir que as câmaras de televisão se substituíssem aos canhões que estavam apontados para o Quartel do Carmo.