O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, disse, na semana passada, que iria voltar atrás na sua decisão de não levar a cabo uma consulta pública sobre a Constituição Europeia. Isto depois de vir afirmando, desde há cerca de um ano, que não iria realizar nenhum referendo sobre o assunto (ver notícia relacionada).

Face a esta súbita mudança de estratégia, Milan Rados, professor de Relações Internacionais na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, explicou ao JornalismoPortoNet (JPN) que “Tony Blair fez essa proposta [de realização de um referendo] por pressão da oposição”, e acrescenta que “os conservadores utilizaram isso [o referendo] como uma arma de pressão, pensando que a maioria dos cidadãos do Reino Unido vão votar contra a Constituição”.

“Um jogo político interno de Inglaterra”

Milan Rados considera que a polémica gerada em Inglaterra por conta da realização de um referendo sobre a Constituição Europeia é um mero “jogo político” que “não tem nenhuma importância para a Constituição, porque ela vai ser aprovada pelo Conselho Europeu e Tony Blair vai votar a favor”. Depois de a Constituição ser acordada entre os 25 Estados membros da União Europeia (UE), o que deverá acontecer em Junho próximo, a Constituição deverá ser discutida na Câmara dos Comuns, entre Janeiro e Maio de 2005. E só depois do debate parlamentar é que deverá ter lugar a consulta pública sobre o documento.

Milan Rados explica que, após a Constituição ter sido aprovada pelos Estados membros, “o que se segue depois é a aprovação dessa Constituição a um nível nacional”, em que “cada Estado tem de ratificar a assinatura do seu primeiro-ministro”. De acordo com, este especialista, é durante este processo que se “pode levantar, eventualmente, a situação de os cidadãos irem ao referendo e lá chumbarem a proposta da Constituição”. Se tal acontecer, Milan Rados explica que “nesse caso haverá uma renegociação entre o Reino Unido e a União Europeia, e podem-se alterar algumas coisas que não são do agrado dos cidadãos do Reino Unido”.

Constituição Europeia: perda de soberania?

A explicação mais apresentada pela maioria dos analistas políticos para justificar a tendência dos britânicos para dizerem “não” à Constituição Europeia é que estes não querem perder a sua soberania em relação a muitos aspectos, como é o caso da segurança social, da defesa, impostos e legislação criminal.

Milan Rados explica que os britânicos “não querem aceitar nenhum poder supranacional, sobretudo se este poder supranacional tem características de uma Federação”, pois “eles querem preservar o máximo da sua soberania”, remata.

Posição do Reino Unido na Europa é “uma coisa à parte”

Relativamente à União Europeia, Milan Rados explica que “a posição do Reino Unido é sempre uma coisa à parte, pois eles são totalmente diferentes de todos os outros Estados membros”, e isto acontece “desde a fundação das Comunidades Europeias, quando os seis Estados fundadores – França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália – convidaram o Reino Unido a ingressar nas comunidades”. Na época, os britânicos declinaram o convite, mas acabaram por ingressar na Comunidade Europeia em 1973, conforme explicou Milan Rados ao JPN.

Este especialista em Relações Internacionais refere ainda que os britânicos “negociaram a sua adesão de uma maneira diferente”, e o que daí resultou é que “o tipo de participação que o Reino Unido nas Comunidades Europeias não é igual à Alemanha ou à França”.

“O dilema Europa ou América”

“Os britânicos continuam a pensar que o seu destino seria melhor se ficar a meio caminho entre a América e a Europa, só que as tendências são cada vez mais um ou outro”, diz Milan Rados. “É o dilema Europa ou América”, remata.

Se vier a acontecer, este será o segundo referendo jamais realizado no Reino Unido. Milan Rados recorda que, “ao longo da História do Reino Unido fez-se apenas um referendo, que era sobre a Comunidade Europeia, à qual o Reino Unido aderiu em 1973”.

Ana Correia Costa

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