Um manto de capas negras pinta o espaço junto à Cadeia da Relação, ano após ano. Milhares de estudantes reúnem-se para ouvir e sentir a canção que melhor representa esse sentimento não totalmente definido mas autêntico a que se chama “espírito académico”.
“O fado e a canção de Coimbra é um jorrar de emoções”, diz Adalberto Ribeiro, violista do Grupo de Fados da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).

Pela 15ª vez consecutiva Adalberto integra a formação desse grupo que toca na Monumental Serenata da Queima das Fitas do Porto. Para ele o fado de Coimbra consegue “transmitir com as cordas e as vozes o que a letra diz”. A música propicia “o sentimento e até angústia”. Adalberto considera a Serenata um momento “especial” e “único”. “Os estudantes sentem a música da mesma forma”, afirma.

Ricardo Cunha é guitarrista no Grupo de Fados do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP). Pela segunda vez toca na Serenata. Ricardo recorda o inevitável “nervoso miudinho”, mas sobretudo o ambiente da actuação do ano passado. “O que estamos a tocar é o fado académico. É muito importante ver as pessoas cumprir os pequenos rituais, o silêncio, as fitas no ar, sinais da nossa vida académica”. E sublinha: “o sentimento é excelente porque tocamos para quem deve ouvir realmente”, “para os estudantes e sobre os estudantes”.

“O aperto na garganta existe no início. Depois desaparece”, diz Adalberto Ribeiro. Outro fadista experiente, Ricardo Ferreira também da FEUP, diz que “se não fosse o «nervosinho», não teria piada”. Ricardo é cantor quase profissional, mas compreende que pessoas que não cantem todos os dias receiem falhanços imprevistos.

Ricardo Ferreira queixa-se, no entanto, que a tradição académica já conheceu melhores dias. “A Serenata já não se vive como se vivia”, lamenta. O cantor ironiza dizendo que “os estudantes tiram o trajo da naftalina” para a Serenata e que a tradição se fica por aí. E remata dizendo, orgulhosamente e entre risos, que o seu trajo “está num rico estado”. Manda a tradição que a capa do trajo académico nunca seja lavada.

De há três anos para cá, diz-nos Tiago Ramos, coordenador da Monumental Serenata, que são quatro grupos a tocar na noite que abre a Queima das Fitas. Este ano ouvem-se as vozes e cordas dos grupos de fados do ISEP, da Universidade Católica, para além dos grupos fixos da FEUP e do Orfeão Universitário do Porto que abrem e fecham, respectivamente, o ritual.

À meia noite e um minuto faz-se silêncio e os “padrinhos” traçam a capa aos “afilhados”, dando início a mais uma edição da Queima das Fitas do Porto, uma tradição que remonta já aos anos 40.

Pedro Rios