Dos dois milhões de hipertensos, apenas metade terá sido diagnosticado, 500 mil fazem terapêutica e 250 mil estarão controlados (dados da Fundação Portuguesa de Cardiologia).

A Hipertensão Arterial (HTA) é o principal factor de risco do AVC, alertou o presidente da delegação Norte da Fundação Portuguesa de Cardiologia, João Lopes Gomes.

“Grande parte dos AVC são acidentes hemorrágicos, em que a artéria rompe devido a uma pressão muito alta”, explica o professor. E acrescenta: “Os dois grandes tipos de AVC são os hemorrágicos, em que há uma grande hemorragia e o sangue sai das artérias e os embólicos que se devem essencialmente a problemas de arteriosclerose, em que há uma oclusão de um vaso sanguíneo, ou seja, uma artéria fica tapada e o sangue deixa de circular daí para a frente”.

Nos acidentes hemorrágicos, o principal factor de risco é a hipertensão arterial (HTA). Nos restantes, a arteriosclerose, o colesterol, os hábitos de vida, a diabetes, a falta de exercício físico, são factores de risco que se têm de controlar, já que podem levar a Acidentes Vasculares Cerebrais.

Medir a tensão uma vez por ano, ao contrário do que muitas vezes se pensa, não é suficiente: “Os doentes que têm uma tensão arterial tendencialmente baixa podem medir menos frequentemente, de 6 em 6 meses. Mas os doentes que têm tensão mais alta, devem ter uma vigilância mais apertada”, esclareceu o professor. Para João Lopes Gomes prevenir é importante, mas o que mais o preocupa é o caso de doentes hipertensos que estão a tomar medicamentos e deixam de o fazer. “O doente hipertenso tem que fazer a sua medicação todo o dia, todo o ano, toda a vida para conseguir manter a sua tensão controlada. Basta um ou dois dias sem medicação e a tensão tem tendência a subir muito mais! Faz um pico hipertenso que, normalmente, é muito grave para o doente”, avisou.

Na opinião do especialista, é preocupante o facto de muitas pessoas não estarem informadas ou nos casos de até saberem as medidas que devem adoptar, não terem, no entanto, condições para o fazer. “Quando dizemos ao doente que tem que comer mais peixe, a resposta é “mas o peixe está tão caro’”, frisou o director do serviço de cardiologia no Hospital de Santo António.

Quanto aos hipertensos diagnosticados, os números são preocupantes:“50% dos hipertensos não estão diagnosticados e dos 50% que estão, metade está controlada e a outra metade não está. Além disso, dos doentes controlados, grande parte deles não faz controlo efectivo”.

HTA não apresenta sintomas

Um dos maiores problemas da hipertensão arterial é que, normalmente, não causa sintomas, pelo menos a curto-prazo. “Os sintomas só aparecem quando são atingidos os órgãos-alvo, isto é, a hipertensão pode provocar lesões na visão, no cérebro, no coração, e nos rins. Enquanto não há lesões, não há grandes sintomas”. Segundo o professor, os sintomas que podem aparecer, mas só numa fase mais avançada, são as dores de cabeça, devido à grande tensão craniana, tonturas, sentir o coração a bater muito depressa.

“A hipertensão é uma doença insidiosa que no princípio não apresenta sintomas”, disse. Quanto aos sinais o único que é possível detectar é os valores elevados quando se medem a pressão arterial. A hipertensão é uma doença incurável. Depois de detectada, o que se pode fazer é medicar e controlar determinados factores que a fazem subir: “diminuir a ingestão de sal, praticar exercício físico”, aconselhou o médico.

Jovens cada vez mais hipertensos

Embora a idade mais vulnerável seja a partir dos 50 anos e embora nos jovens a hipertensão seja pouco frequente, o certo é que “há hipertensos cada vez mais jovens, devido ao excesso de tabaco e ao tipo de alimentação. A hipertensão aparece mais cedo do que o normal”, sublinhou.

Apesar desta tendência, 97 % dos doentes sofrem da chamada hipertensão “essencial”, aquela que não tem causa por nós conhecida”, disse. “A hipertensão secundária é aquela que resulta de mal formações, de alterações renais ou de alterações endócrinas e que é tratável – percentagem muito pequena e é o que normalmente acontece nos jovens”, explicou.

Para o clínico é preciso ter mais cuidados com os jovens: “Onde tem que se investir é nos jovens porque depois de eles adquirirem determinados hábitos saudáveis, dificilmente, os perderão. Devem ser feitas acções de sensibilização e de informação, essencialmente nas escolas, junto dos jovens para que estes cresçam modelando os seus hábitos dentro de parâmetros mais saudáveis”. Além disso, esclarece que “a partir dos primeiros dez anos de vida começa já a haver arteriosclerose se não houver cuidado na sua prevenção.

A arteriosclerose é uma doença que se prolonga ao longo da vida e que começa muito cedo. A profilaxia tem que ser o mais cedo possível! Infelizmente, as pessoas aderem muito pouco à prevenção”, lamentou.

Doenças associadas à HTA

A doença mais temida é o Acidente Vascular Cerebral. No entanto, esta não é a única doença associada à HTA. A hipertensão causa a deterioração das artérias, favorece o aparecimento da arteriosclerose, de lesões renais e a insuficiência renal, provoca alterações graves da visão e, muitas vezes, a HTA associa-se também à diabetes. Quer a diabetes, quer a hipertensão provocam alterações ao nível arterial.

Conselhos

Para combater a HTA, “em primeiro lugar, há que ter hábitos de vida saudáveis, reduzir francamente o consumo de sal que no nosso país é exagerado, fazer exercício físico, ter uma alimentação saudável, comendo pequenas refeições e muitas vezes ao dia, e fazer periodicamente um rastreio”, recomendou o especialista.

Particular atenção para “as pessoas fumadoras, obesas, diabéticas e com história de doença cardiovascular na família, uma vez que são factores de risco de desencadeamento e/ou agravamento da hipertensão. Estas pessoas devem vigiar mais de perto a pressão arterial”, aconselhou.

Papel do médico de família muito limitado em Portugal

Questionado sobre o apoio do Estado no combate às doenças cardiovasculares, João Lopes Gomes, foi peremptório: “Acho que há alguma vontade de fazer alguma coisa, mas só a vontade não chega. Sei que neste momento ao nível da ARS Norte vai ser implementado um programa para desenvolver uma profilaxia das doenças cardiovasculares, mas não chega”.

Na opinião do presidente da delegação Norte da Fundação Portuguesa de Cardiologia, o que há de mais importante ao nível da saúde são os médicos de família e os centros de saúde que, realmente, desenvolvem uma medicina preventiva eficaz. “É nisto que se tem que investir. É aqui que se pode ganhar muito em relação ao futuro”, apelou.

Para João Lopes Gomes, o papel do médico de família tem sido muito limitado no nosso país: “Os médicos de família e os clínicos gerais são uma pedra basilar em qualquer sistema de saúde! Isso é que pode fazer com que não haja doenças. Com uma prevenção correcta não vamos ter quase nenhuma doença mais tarde!”, garantiu.

Andreia Abreu