Enquanto escritora, que significado atribui ao Prémio de Camões, o mais importante da língua portuguesa?

Quando se recebe este prémio, que é o prémio instituído como uma espécie de galardão por uma obra feita, há um sentimento de agrado, de gratidão e de simpatia para com o júri. E depois sentimos um certo orgulho por corresponder àqueles predicados que são necessários para atingir esse objectivo, para merecer o prémio. Aquele que se serve da língua portuguesa é premiado pela maneira como o fez, pelo empenhamento, pelo amor que tem pela sua própria língua, pelo seu próprio país, e eu sinto-me perfeitamente à vontade dentro do prémio, na medida em que fui sempre uma pessoa que trabalhou a língua.

Há quem diga que o prémio peca por ser tardio. Concorda?

Isso é muito contingente. Algumas pessoas dizem isso, mas isso é muito contingente porque a valorização que se dá à pessoa e ao escritor depende muito das afinidades e do conhecimento da obra. Mas tem que ver muito com os gostos do júri e com a interpretação que ele dá à própria obra, de maneira que não é de admirar que se diga que o prémio veio tarde, mas a verdade é que eu ainda estou viva! Não é um prémio póstumo!

Como comenta o facto de, até agora, apenas quatro mulheres terem sido galardoadas com o Prémio Camões?

Eu acho que há mais homens escritores merecedores do prémio, visto que o prémio não contempla só o escritor como ficcionista, mas também o filósofo e o pensador. E nesse aspecto há mais homens que mulheres, não temos que estranhar isso. Mas as mulheres estão bem representadas.

E quanto ao Nobel? Só lhe falta esse prémio…

O que é que eu hei-de dizer do Nobel da Literatura? Isso não é comigo! Isso é com o Saramago, ele já o ganhou e é um representante da língua portuguesa, da cultura portuguesa e do português em geral. De maneira que eu não tenho nada que ver com isso. Mas é muito duvidoso que esse prémio, visto que os candidatos são imensos no mundo inteiro, volte a passar por Portugal. É como o cometa Halley! A minha mãe viu-o quando era pequena e depois só daí a cento e tal anos é que volta a passar.

Como encara a escrita?

Há muita maneira de responder a isso, mas há uma só para cada pessoa. A escrita para mim é uma paixão. Gosto de escrever. É também uma questão de investigação quanto à natureza humana; sobre o que é um ser humano, o que representa, qual o caminho que segue, de onde é que ele vem. Tudo isso é importantíssimo para o trajecto de um ser humano na vida, saber de que é que se trata realmente esse mistério do ser humano é importante. E aí sirvo-me da escrita, porque é a melhor maneira de procurar todos esses recantos da consciência.

É uma forma de olhar para si própria?

Sim, eu acho que sim. De olhar para a pessoa que escreve e ao mesmo tempo de desbravar esse caminho que é também o olhar dos outros.

Escrever é um dom?

Eu acho que sim. O gosto pela escrita é um dom. Pode aprender-se a escrever, e há países em que existem escolas para aprender a ser escritor. Mas isso não basta para ser um bom escritor. Basta para fazer uma boa redacção, mas não para ser um escritor. Isso não.

Então, o que é preciso para ser um bom escritor?

Primeiro é preciso ter nascido para isso, como qualquer outra arte. É como ser um bom carpinteiro! Há muitos carpinteiros, mas um bom carpinteiro também é raro.

Ana Correia Costa