Depois do 25 de Abril, Portugal continuou a comemorar o 10 de Junho e a prestar tributo ao poeta d’«Os Lusíadas». Com uma diferença: a Revolução dos Cravos foi pretexto para rebaptizar o 10 de Junho como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Mas as alterações vão mais além, e tocam no significado daquilo que é comemorado.

Homenagear as comunidades portuguesas, ou seja, os cidadãos portugueses a residir fora do país, foi a “forma encontrada para continuar a sublinhar a importância do povo português”. Conceição Meireles, especialista e professora de História Contemporânea da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, refere que as comemorações do 10 de Junho no pós-25 de Abril já não abrangem “ unicamente o povo português no seu território nacional”, mas sim “o povo que, por necessidades várias, desde sobrevivência económica, a questões de perseguição política, teve que se espalhar por diferentes partes do mundo”.

O 25 de Abril trouxe mudanças no ”sentido e significado do dia”

O regime do pós-25 de Abril procurou prestar homenagem aos portugueses que se encontravam a trabalhar “pelo mundo fora para sobreviver”, porque “tão português era aquele que se mantinha em Portugal, como o português que foi obrigado, por várias razões, a deixar Portugal. Daí continuar-se a celebrar o povo português”, explica Conceição Meireles.

Depois da Revolução, “o conceito de raça cai imediatamente”, e comemora-se antes “o Portugal espalhado um pouco pelo mundo das comunidades portuguesas”. Além desta mudança de significado, com a nova expressão criada para designar o 10 de Junho, que passa a ser Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, “consegue-se retirar toda a carga colonial ou neo-colonialista que o dia da raça tinha anteriormente”, sustenta a especialista.

“A questão da emigração era abafada pelo Estado Novo”

“A forte emigração que se fez sentir durante as décadas de 60 e 70 para os países industrializados da Europa, como a França e Alemanha, foi uma questão que o Estado Novo nunca gostou de mediatizar e de desenvolver”, sobretudo porque muitos portugueses “saíram do país por questões de sobrevivência económica”, lembra Conceição Meireles.

Durante o Estado Novo, esses emigrantes eram referidos como sendo “portugueses espalhados pelo mundo e por todas as comunidades portuguesas. Desta forma mais inócua retirava-se-lhe qualquer carga política e ideológica, e ficava apenas o povo português espalhado nas inúmeras comunidades que existiam pelo mundo fora”. Por isso, explica Conceição Meireles, “a questão dos portugueses emigrados foi uma questão que o Estado Novo nunca quis tocar e que nunca desenvolveu”, principalmente “para o exterior”.

“Se os portugueses emigravam é porque não havia ‘pão’ em Portugal”, e por isso, “o Estado Novo nunca quis reconhecer a emigração que, nos anos 60 e 70, estava a ser fortíssima por razões de sobrevivência, por questões de exílio político e de fuga à guerra colonial”.

“Agora, quando se fala no Dia de Portugal e das Comunidades Portuguesas está-se a englobar toda a diáspora portuguesa, todas as comunidades portuguesas no estrangeiro, sejam elas de formação antiga, sejam elas de formação recente, como essas levas de emigração das décadas de 60 e 70”.

Como refere Conceição Meireles, o Dia de Portugal que surge depois do 25 de Abril “não é exactamente a mesma coisa que se comemorava no Estado Novo”, nem está propriamente a apontar “o povo português como um povo superior, pequeno mas realizador de grandes feitos”. O que passa a ser comemorado depois da Revolução “é o Portugal no mundo”.

Uma “reflexão da portugalidade”

O 10 de Junho pretende comemorar “o Portugal cá dentro”, mas também o Portugal “lá fora”. Esse “lá fora”, de que fala Conceição Meireles, inclui “as inúmeras comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo inteiro”.

O Dia de Portugal é ainda motivo para “tentar dignificar, através da atribuição de determinados títulos e medalhas, portugueses que se tenham distinguido em determinadas áreas”, “sem distinção da opção ideológica ou da opção religiosa”, refere Conceição Meireles.