Jornalismo Porto Net (JPN) – Como é que surgiu a ideia de criarem um blog?

Zé Diogo Quintela (ZDQ) – Eu estava a ler alguns blogs portugueses que já existiam e tive a ideia. Falei com eles para fazermos um blog e os gajos sempre disseram que não e tal, mas depois, como gostam de ter o que os outros meninos têm, às tantas quiseram e então pensámos fazer o Gato Fedorento. Reunimo-nos, estávamos nas Produções Fictícias e fizemos. Foi em Abril de 2003.

JPN – Quais eram os outros blogs que lia?

ZDQ – Eu lia a Coluna Infame e o Blog de Esquerda e achava graça àquilo. Foi na altura da Guerra do Iraque, em que havia muita polémica. A blogosfera estava um bocadinho ao rubro.
O Ricardo (Araújo Pereira) também participava no Bloco de Esquerda algumas vezes.
Li a Bomba Inteligente, que é de uma amiga nossa.
Agora leio poucos. Vou-me entretendo.

JPN – O que é que pretendiam com o blog? Era uma forma de catarse?

ZDQ – Era um sítio onde nós podíamos escrever algumas piadas que nós não tínhamos oportunidade de usar noutros sítios. Piadas, pensamentos, textos.

JPN – Mas já pensavam com isso ganhar visibilidade?

ZDQ – Não. Não era sequer um objectivo.

JPN – Escreviam para outros, não era?

ZDQ – Sim, escrevemos nas Produções Fictícias para outro. Nunca escrevíamos em nome individual e o blog era uma boa oportunidade para fazer isso.

JPN – Porque é que decidiram fazer em conjunto e não em separado?

Tiago Dores (TD) – Porque já trabalhávamos juntos há algum tempo e, além de afinidades criativas, temos também afinidades pessoais. Pareceu-nos que seria interessante, principalmente devido a essas afinidades criativas, criar uma coisa todos juntos, onde tínhamos total liberdade criativa, e foi o primeiro projecto em que isso aconteceu. Os projectos para os quais trabalhávamos antes também eram, alguns, escritos só por nós os quatro. No entanto, nunca eram projectos onde tivéssemos total liberdade criativa.

JPN – Muitas vezes no blog um diz o contrário do que o outro diz. Já ficaram chateados?

TD – Normalmente isso acontece e sou eu que tenho razão. E não ficamos chateados porque somos amigos. E então “azucrinamo-nos”, mas não ficamos chateados. Humilhamo-nos mutuamente e espezinhamo-nos e isso tudo, mas não ficamos chateados. Eles ficam um bocadinho chateados quando perdem no Estádio da Luz. Mas não, não ficamos chateados, porque essas afinidades pessoais permitem-nos estar muito à-vontade para dizer: “Miguel, essa ideia não presta. Ricardo, essa ideia não presta. Zé, essa ideia não presta. Vamos para a frente com a minha ideia que, essa sim, é muito linda”.

JPN – Quanto tempo é que dedicavam ao blog?

TD – Isso é difícil, porque é uma coisa que fazíamos cada um de nós e sem ter assim um período de tempo especialmente dedicado a isso. Fazíamos quando estávamos a fazer outras coisas.

JPN – Agora não têm tanto tempo?

TD – Agora com o Gato Fedorento (primeiramente com as gravações na SIC e agora com o facto de fazermos espectáculos ao vivo), toma-nos muito tempo e estamos agora mais tempo fora de casa.

JPN – Foi a partir daí que surgiu o convite para irem para a SIC Radical?

Ricardo Araújo Pereira (RAP) – O convite para a SIC Radical, apesar de tudo, não tem nada a ver com o blog. Apesar do nome do programa e os autores serem os mesmos que o do blog. O que acontece foi que nós começámos a fazer o blog naquela altura em que havia uma atenção maior sobre os blogs. E achámos que o melhor seria fazer um blog colectivo, porque seria um blog humorístico e o tom humorístico dos quatro tem qualquer coisa em comum.
Depois o convite para a SIC Radical teve a ver com o facto do Zé Diogo e eu termos sido convidados para fazer “stand-up comedy” em Outubro de 2002.
Enquanto o blog fala sobre a actualidade, o programa de televisão não. São tipos de humor bastante diferentes.

JPN – Não existe nenhum tipo de rivalidade?

RAP – Sim, muitíssima, porque o Zé Diogo é um gajo muito competitivo.
Miguel Góis (MG) – Essa questão da rivalidade faz sentido nalguns contextos, mas não no nosso. Primeiro, porque somos todos amigos e, segundo, porque não faz sentido estar a pensar em rivalidade entre nós, porque todos nós ajudamos a construir o que é hoje o Gato Fedorento, que é fraquinho, mas que existe e que é uma coisa nossa. E sobretudo nós somos uma equipa e não faz muito sentido estar a haver rivalidades.

JPN – Escrever para um blog é muito diferente de escrever para a televisão. Vocês distanciam-se?

MG – Nós quando escrevemos para a televisão, temos uma responsabilidade acrescida, porque há patrocinadores envolvidos, publicidade no meio dos programas, e por isso é que é um programa que tem de ter audiência. Nesse sentido, há um trabalho que temos de fazer que é aproximar mais da população, no sentido de atingir um maior número possível de pessoas do que propriamente a falar das coisas que nos interessam a nós.

JPN – Limitam-se um pouco?

MG – Sim. Às vezes são coisas que não nos interessam a nós especificamente, mas sabemos que interessam a mais pessoas, à população. Há uma obrigação profissional de ter que tratar daqueles temas.
No blog falamos de coisas que nos interessam especificamente. É um trabalho mais pessoal.
RAP – É outro tipo de preocupações. No blog nós podemos falar sobre a última crónica do César das Neves no “Diário de Notícias”, por exemplo. É para um conjunto de pessoas, em princípio, mais informadas. Os meios são muito diferentes e acaba por ser mais fácil separar as coisas que fazemos para um lado e para o outro.

JPN – A visibilidade dada pela televisão reflecte-se na visibilidade do blog?

RAP – Por acaso, eu acho que é fatal que se tenha reflectido. Nós já tínhamos muitas visitas antes do programa da televisão. Foi uma coisa que nos surpreendeu foi termos tido tantas visitas. Tínhamos 1.000 e tal visitas. Naquela altura éramos dos blogs mais visitados na net, juntamente com o Meu Pipi e com o Abrupto.
Mas era um dos blogs mais visitados e é possível que aquilo tenha aumentado, até porque a gente esteve imenso tempo sem pôr uma linha no blog e aquilo a ter visitas brutais todos os dias.

JPN – Mas quem visitava era normalmente pessoas que tinham outros blogs e que conheciam o blog?

RAP – Mas isso acontece muito frequentemente, porque gera-se uma comunidade. É evidente que boa parte dos leitores de blogs são autores de blogs. Gera-se ali uma comunidade que acaba por ser bastante fechada.

JPN – Nota-se, no blog, essa diferença de público quando se passou para a televisão?

ZDQ – Sim, porque apesar de nós não escrevermos no blog, continua a ter muitas visitas (2.000 por dia).
TD – Só se justifica pelos artigos, porque nós, de facto, temos muitos artigos.
MG – As pessoas não sabem que temos um blog.
ZDQ – As pessoas vão lá. Basta um toquezinho para ver se pusemos qualquer coisa nova e conta logo como uma visita. Portanto, o facto de estarmos na televisão chama muita gente, sem dúvida.

JPN – Agora o blog está um pouco parado. Quando é que vai voltar a ter novos posts?

MG – Nós temos que fazer o Gato Fedorento e depois tudo o que está à volta, dos projectos que nos dão, que nos permitem pôr o pão e, neste caso, o salmão fumado em cima da mesa. Resultado? Isto é muito complicado. E então temos que fazer o Gato Fedorento e outros projectos que nos permitem sobrevivência económico-financeira. E quem é que sofre? Sempre o Zé Povinho e os blogs, como costuma dizer o povo. Neste caso é o blog que sofre.
Há que dizer que quando nós começámos com o blog, não tínhamos mais nada para fazer. Em Abril de 2003 havia um vazio. E tínhamos imenso tempo para escrever no blog. Agora é muito complicado arranjar tempo para isso.
RAP – Mas sinto nesta altura uma vontade mais interessante para escrever no blog, porque, como tento escrever mais para vários sítios, sobram coisas que aproveito para pôr lá.

JPN – Estão a pensar actualizar o aspecto formal do blog? Já é possível pôr fotografias, os leitores comentarem os posts.

MG – Não nos interessa a opinião das pessoas.
RAP – É possível. Nós, por opção, é que não pusemos isso. Até porque temos receio de escrever qualquer coisa e as pessoas irem lá escrever “És mesmo uma besta” e é desagradável, embora seja verdadeiro.
MG – Nós, vendo o sistema de comentários dos outros blogs, vendo em que aquilo se transforma, não achamos que seja uma coisa importante, sinceramente. É mais picardias pessoais do que propriamente contribuições válidas para o que quer que seja.

JPN – Só tem feedback por parte do mail?

TODOS – Sim.
ZDQ – Recebemos para aí 500 mails por dia.
TD – Nunca! São 400. No máximo são 400.
RAP – Mas por acaso são bastantes. São uns 15 por dia. Lemos todos, não respondemos a todos, porque, neste momento, é impossível.
TD – Nesta fase, a maior parte é sobre o Gato Fedorento. Tudo, à excepção do blog.

Ana Sofia Coelho

Tatiana Palhares