“A democracia mediática dificulta o fazer política”. Marcelo Rebelo de Sousa não tem dúvidas sobre a acrescida dificuldade que os media trazem à política moderna, em que “a cobertura da realidade é feita em tempo real”.

“Há 20 anos atrás, havia alguns dias para gerir uma crise. Agora rebenta uma crise às sete da manhã, às sete e meia há comentários à crise, às oito já há comentários aos comentários e às nove a crise já tem outra dimensão”, exemplificou um bem humorado Marcelo, numa conferência de apresentação do livro “Boa Noite, Professor”, nas instalações do curso de Jornalismo e Ciências da Comunicação da Universidade do Porto.

Respondendo a uma questão relacionada com a crise de valores, o professor acabou por dissertar à volta das novas relações entre a comunicação social e a política. Os jornalistas não só anunciam a crise aos políticos, como também influenciam a forma de fazer política, quer na “lógica de intervenção”, quer no “conteúdo das medidas”. O que se transforma muitas vezes num “governar com vistas curtas, para a comunicação social, para o ciclo eleitoral”. “A capacidade de passar imagem na comunicação social é fundamental”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, para quem “a capacidade de resistência física e psíquica é agora o fundamental para a política, em detrimento da competência e da capacidade de decisão”.

“Outro problema complicado é a exposição da vida privada dos políticos que é em muitos casos legítima”, referiu Marcelo, lembrando que “os políticos têm de pagar o preço da vantagem da sua exposição”. O ex-líder do PSD defende que “um político, tomando posição sobre questões comportamentais, como o casamento, as uniões de facto, o aborto, tem de responder sobre a sua orientação, com clareza. “É como um BI”, resumiu. Para evitar a “campanha negativa”, tão falada nas últimas eleições legislativas, o político “ganha em esclarecer certos aspectos da vida pessoal”.

Marcelo Rebelo de Sousa não deixou escapar uma crítica indirecta ao ainda líder do PSD, Pedro Santana Lopes. Falando sobre a campanha negativa, referiu que ela pode ser feita “às vezes ostensivamente, outras vezes sem se dizer, o que ainda é pior”. O exacerbar do conteúdo negativo “apaga o aspecto afirmativo”, o que faz com que o voto “seja sempre contra”, o que só pode ser “excepcional” na opinião de Marcelo. No entanto, a campanha para as legislativas foi considerada pelo ex-líder do PSD como “muito pobre de conteúdo”, dando como exemplo o pouco destaque dado à educação.

Concluindo a sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa renega a teoria da crise de valores, preferindo falar de uma incoerência de valores. Ou seja, “Bem prega Frei Tomás, faça o que ele diz, não faça o que ele faz”.

João Pedro Barros
Carina Branco