“No Porto, é impossível começar o que quer que seja sem haver contestação”. A frase é do presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, aquando da apresentação do projecto de renovação da Avenida dos Aliados, da autoria dos arquitectos Siza Vieira e Souto Moura. A discussão está lançada à volta do novo projecto para a “sala de visitas” da cidade do Porto. O aspecto mais polémico da proposta é o uso de granito nas faixas de rodagem e nos passeios como forma de unificar o espaço dos Aliados.

A coerência do espaço é precisamente o aspecto mais destacado pelos arquitectos contactados pelo JPN. Alexandre Alves Costa, um dos responsáveis pela remodelação efectuada pela Porto 2001 na Rua Sá da Bandeira, diz-se “entusiasmado com a solução encontrada para os Aliados”, que vai proporcionar uma “movimentação mais flexível e livre”. Também
Nuno Lacerda Lopes
, docente na Faculdade de Arquitectura do Porto e autor do projecto de remodelação do Teatro Carlos Alberto, manifesta “completa confiança no projecto dos autores, conhecidos nacional e internacionalmente”.

“Falei com Siza Vieira há uns tempos e a sua grande preocupação era criar uma unidade espacial, contínua, que não fosse dividida em Praça da Liberdade, Avenida dos Aliados e Praça General Delgado”, afirma Alves Costa. Para o arquitecto esse objectivo só pode ser conseguido com uma “unidade muito radical de materiais e revestimentos”. Opinião partilhada por Lacerda Lopes, para quem a remodelação, “no limite, só poderia ser assim”. Até porque os Aliados “têm de deixar de ser uma sucessão de espaços e de praças”.

Cepticismo em relação ao projecto

A requalificação dos Aliados tem vindo a ser alvo de críticas desde o dia da sua apresentação. Rui Sá, vereador do Ambiente da Câmara Municipal do Porto, afirmou que a praça pode ficar “demasiado escura” e que o ruído do tráfego “poderá aumentar com o novo pavimento. Respondendo às críticas do vereador comunista, Alves Costa diz que “o barulho é uma falsa questão, dado que nos Aliados só há edifícios institucionais”. Para além disso, o arquitecto considera ser “uma tolice completa” dizer que o Porto é uma cidade escura, ou que o granito é escuro. “O Porto tem uma luz fantástica, que brilha imenso e contrasta com o granito”, refere.

Júlio Couto, historiador especializado na cidade do Porto, critica violentamente o projecto. “É mais uma descaracterização da Avenida dos Aliados”, afirma. “Vamos ter mais uma eira de granito, vamos deixar de ter flores, jardim, cores”, diz o historiador, para quem a renovação urbana vai ser “igual ao que fizeram na Cordoaria e na Cadeia da Relação”. Júlio Couto pensa que intervir numa zona do centro que está “mais ou menos conseguida” não se justifica, apontando antes como prioridades os “prédios que estão a cair”, bem perto da zona dos Aliados.

“A prioridade deveria ser limpar a Avenida de marginais e de prostitutas e dar-lhe iluminação e movimentação”, diz Júlio Couto, rejeitando as vantagens de eventuais esplanadas e de mais espaço pedonal. “Não é preciso que se dê mais espaço, o espaço já é do povo do Porto, que o conquista quando é preciso”, afirma. O historiador mostra-se também contra a retirada da calçada portuguesa, que “marca uma época” da cidade. “Não acredito que os tons de cinzento, de luz mortiça, movimentem gente cá no Porto”, conclui.

A ideia de descaracterização é porém negada por Alves Costa, “até porque na origem da Avenida dos Aliados os passeios não eram como agora”. E para Lacerda Lopes a solução encontrada até tenta dar “mais sotaque e identidade ao Porto”. “Há sempre uma reacção, as pessoas têm receio, mas o arquitecto pensa sempre no futuro, altera sempre os hábitos das pessoas”, diz, usando como exemplo a Sé e a Torre dos Clérigos, que também alteraram o perfil da cidade, “mas que não deixam de ser peças fantásticas”.

João Pedro Barros