O “Público” comemorou o seu 15º aniversário com o lançamento da segunda edição do livro de estilo. O texto da primeira versão remonta a 1989, embora só editado em livro em 1997. José Manuel Fernandes apresentou ontem, terça-feira, no curso de Jornalismo e Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, as alterações ao documento que considera ser o “roadbook” para os profissionais do jornal.

“Continuamos a ter como ambição realizar um jornalismo que case o rigor com a capacidade de surpreender, a ambição de ir mais longe com o equilíbrio nas abordagens noticiosas, uma escrita concisa e directa sem deixar de ser viva e inventiva”, escreve José Manuel Fernandes no prefácio desta segunda edição. As alterações no panorama mediático suscitaram a necessidade de actualizar muitas das normas consagradas no primeiro livro, especialmente nos campos ético e deontológico.

Convicto de que a implementação de regras de conduta ao jornalista tem de partir do próprio órgão de comunicação social onde este trabalha, o director do “Público” acredita que esta nova edição “vem elevar os padrões de qualidade e rigor do jornal”.

Esta nova edição do livro de estilo deve-se a uma necessidade do jornal manter-se como um padrão de referência no jornalismo nacional?
Deve-se à necessidade de manter um padrão de referência e de elevar esse padrão de referência. O livro de estilo anterior foi muito importante no arranque do “Público” e durante a vida do “Público” como referência para os seus jornalistas e também como referência para todos os jornalistas portugueses, porque foi o primeiro livro a ser publicado e a ser estudado, já que era utilizado nos cursos de jornalismo universitários. No entanto, 15 anos fez com que mudasse muita coisa. Por exemplo, a TSF era uma pequena rádio de Lisboa, não havia SIC, não havia Internet, enfim, o mundo da comunicação social era muito diferente.
As exigências da própria profissão, a tecnologia que a profissão utiliza, a concorrência, que muitas vezes leva a que se cometa certo tipo de erros, levaram a que sentíssemos que era necessário aumentar os padrões de exigência. Portanto, a actualização necessária pelo simples decorrer do tempo, pelos novos condicionalismos de exercício da profissão e também pelo facto de o público do jornal ter evoluído fez com que sentíssemos essa necessidade de refazer o livro de estilo, mas passando por uma renovação profunda. Essa renovação tornou-o em muitos aspectos mais exigente quer do ponto de vista das suas regras éticas quer das normas de escrita.

De todas as alterações introduzidas qual foi a que suscitou maior polémica?
Penso que a obrigatoriedade de revelação das fontes por parte do jornalista em casos específicos foi aquela que suscitou uma grande discussão. Mas houveram outras que mereceram um grande debate, nomeadamente as relacionadas com o “off the record” e com as prendas que os jornalistas podem receber. Houve sensibilidades diferentes na redacção, o que é natural atendendo a que são regras completamente novas.
Saliente-se que algumas dessas regras apesar de serem novas, já vinham sendo incorporados no dia-a-dia do jornal, como por exemplo, alguma transparência nas viagens por convite ou uma melhor identificação das fontes, que foram muito menos polémicas porque já resultavam de muitas resoluções do conselho de redacção, de recomendações do provedor do leitor… Foram, no fundo, incorporadas no livro de estilo sob a forma de novas normas.

Considera que este livro de estilo é uma espécie de “aviso” para dentro do jornal, ou seja, os jornalistas que não o cumpram podem sofrer algum tipo de sanção?
Acho que um livro de estilo não é propriamente uma lei da república e, portanto, o objectivo não é transformá-lo numa espécie de código de estrada com sanções e apreensão de carta. Mas, é óbvio que ao formalizar as regras faz com que o trabalho do jornalista se relacione com padrões melhor estabelecidos, melhor desenhados, onde procurámos apertar a margem de dúvida, se bem que há coisas que são impossíveis de estabelecer, por exemplo, o bom senso ou o bom gosto, com a vida privada das pessoas. Tudo isso são questões que não são codificáveis e muitas vezes é aí que surgem problemas complicados. Esses problemas complicados têm que ser resolvidos, mas não é o livro de estilo que os resolve, não é uma sanção que esteja prevista.
A resolução passa por um lado pela própria cultura do jornal reflectir essas regras e essa forma de estar no jornalismo, que procuramos que seja a do “Público”, e, por outro lado, naturalmente pela acção das chefias e dos directores que têm que assumir responsabilidades quando cometem erros e dos jornalistas que também têm de arcar com as consequências desses erros quando é caso disso. Mais do que um aviso eu acho que este livro de estilo deve ser visto como um guia. Portanto, não é uma lei penal, é uma lei moral, se quisermos.

Acha que, sendo o “Público” um jornal de referência em Portugal, o lançamento de um livro de estilo ainda mais exigente e de uma elevação dos padrões de qualidade, pode motivar outros jornais a seguirem o exemplo?
Nenhum órgão de informação é imune à concorrência. Quando se sobe o padrão de exigência num órgão de informação, isso estabelece novos padrões para os outros. Quando, de repente também se baixa o nível de exigência e não há capacidade de resistir a essa baixa, isso pode levar à destruição de projectos muito interessantes. Existe no meio jornalístico e não só em Portugal uma tendência autofágica, um ciclo vicioso que puxa para baixo a qualidade do jornalismo e vai substituindo a informação por comunicação e depois a comunicação apenas por espectáculo.
Se invertermos essa lógica, se em vez de irmos pela ladeira abaixo, começarmos por trepar de novo essa ladeira, teremos uma melhor concorrência, que é algo que estimula e que é necessário à melhoria da qualidade de informação. Mas para isso, também o livro de estilo é uma espécie de “roadbook”, que pode ajudar-nos e a todos aqueles que quiserem ver as normas que ali estão e também as interiorizar, porque há muitas normas que não são exclusivas do jornalismo do “Público” e são normas universais das boas práticas jornalística. Isso melhoraria de uma forma geral o jornalismo que se faz em Portugal.

Milene Câmara