“De uma célula do meu corpo eu faço um clone de mim mesmo; a doença nasce a partir de uma célula humana e depois constrói um tecido novo”. Quem o diz é o patologista, director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup) , Manuel Sobrinho Simões. O investigador falava ontem, sexta-feira, numa conferência realizada no departamento de genética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

As células cancerígenas, a partir das células normais do hospedeiro, propagam-se, invandindo, reproduzindo algumas das nossas características e criando novos tecidos cancerosos de determinado órgão, existindo em conjunto com o órgão que tenta reproduzir. “É um tecido novo, igual a nós, que usa as mesmas estruturas que nós”, refere Sobrinho Simões e exemplifica: “O cancro do estômago é praticamente igual ao nosso próprio estómago”, mas “o cancro do pulmão não é igual ao cancro do estómago.” O cancro do estômago é uma das patologias mais frequentes em Portugal.

Esta é uma característica das doenças neoplásias, que ao contrário das doenças degenerativas e inflamatórias não causa mutilação, mas sim crescimento novo. “É justamente porque o cancro é semelhante ao ‘eu’ que o corpo não consegue defender-se dele, pois reconhece-o como família e não como inimigo”, refere o especialista.

Adultos são mais frágeis

“95% dos casos têm uma causa ambiental”, diz Sobrinho Simões. Apesar de esta ser uma doença genética, as agressões do ambiente são determinantes para que a doença infecte e se propague no nosso organismo. E quando falamos em ambiente não podemos considerar apenas a poluição atmosférica, o tabaco, a alimentação e os microorganismos que se propagam no ar, mas também o nosso próprio meio interno (hormonas e células vizinhas).

As pessoas que convivem diariamente com ambientes onde prolifera o fumo do tabaco, por exemplo, têm uma alteração do sistema genético, de forma a adaptarem-se às transformações do meio em que vivem. No entanto, a ocorrência de um erro nessa transformação pode resultar num cancro. “Se não tivéssemos mecanismos de regeneração não teríamos cancro”, afirma o especialista. Apesar de tudo, essa flexibilidade do organismo permite a adaptação e evolução da espécie: “O genoma é mais complexo do que se pensava”, diz.

Assim, os cancros detectados em crianças são mais facilmente tratáveis, têm “uma componente de imaturidade”, explica o patologista, uma vez que apenas sofreram uma alteração do seu sistema genético. Por seu lado, os adultos, tendo sofrido “14 ou 15 alterações ao longo da vida”, são de tratamento mais complicado. “Vivemos muito e vamos perdendo mecanismos de controlo dos erros”, afirma. Relembre-se que esta é uma doença exclusiva dos sistemas multicelulares, já que os unicelulares não podem transmitir informação a outras células.

Em relação a uma eventual cura para a doença, Sobrinho Simões afirma a dificuldade em atingir essa meta, embora admita que “a maioria dos cancros é tratável”, e adianta que a cura passará sempre pelo uso de drogas. “Ou morremos estúpidos ou de cancro”, brinca.

Daniel Brandão