Na última semana desencadeou-se uma crise que coloca o teatro do norte do país no limiar da situação de ruptura. De repente, as companhias teatrais confrontaram-se com a suspensão das verbas que lhes estavam destinadas pelo concurso público do Instituto das Artes (IA).

O apoio sustentado para as artes cénicas do norte, que contemplou 21 companhias – 13 das quais sediadas no Porto-, foi suspenso há duas semanas, fruto de uma providência cautelar apresentada pela Panmixia – Associação Cultural, que se sente lesada porque diz não ver nada “que permita dizer que a atribuição das verbas foi transparente e justa”, como explica ao JPN Francisco Beja da Panmixia. Até à decisão do tribunal as verbas atribuídas para as companhias nortenhas ficam congeladas. É neste contexto que muitas companhias anunciam a possibilidade de encerrar actividades.

“Com esta providência cautelar, sabendo que um processo em tribunal se pode arrastar durante anos, é o fim do teatro na cidade do Porto”, anuncia António Reis da Seiva Trupe. “A região norte teve uma verba de financiamento muito inferior às outras regiões. Vieram 3,5 milhões de euros quando, tendo em conta a dimensão da região em termos de habitantes, deveríamos ter tido 7,5 milhões”, enfatiza Catarina Martins da PLATEIA.

Um processo polémico

O processo que agora aguarda por uma decisão judicial teve um atraso de cerca de quatro meses. Os resultados da atribuição de verbas que foram conhecidos a 10 de Março já o deveriam ter sido em Novembro. Pelo meio ficaram companhias endividadas que agora vivem dias de incerteza.

A comisão avaliadora também não ficou isenta de críticas. “Houve um júri que não estava habilitado para conduzir o processo do teatro do Porto. Foi um crítico de teatro de Lisboa, Miguel Quadrio, que eu não conheço de lado nenhum, que veio para cá. O problema é que a avaliação de uma pessoa que não conhece a realidade do teatro do Porto resultou, como seria de prever, num completo disparate”, diz António Reis do Seiva Trupe.

“Nós somos de longe a região do país que menos recebe e isto é uma injustiça porque o norte é a região que mais cresceu teatralmente”, diz António Reis. Também Francisco Beja da Panmixia lamenta o subfinanciamento do teatro do Porto. Tendo em conta “o valor per capita, o norte foi claramente prejudicado”, defende.

Entretanto, enquanto se aguarda pela decisão do tribunal relativamente à providência cautelar apresentada pela Panmixia, não se vislumbram soluções a curto-prazo. Pelo meio fica o desespero de muitas companhias que face às despesas que contrairam durante todo o ano se deparam agora com o congelamento das verbas que lhes estariam destinadas.

Companhias como a Seiva Trupe e o Teatro Bruto parecem compreender a atitude de protesto da Panmixia. Por outro lado, As Boas Raparigas e a Ensemble unem-se na crítica à providência cautelar interposta. “Não há solidariedade quando um grupo vem meter uma providência cautelar quando estamos todos com a corda ao pescoço”, explica Jorge Pinto da Ensemble.

Decisões urgentes

Os próximos dias podem trazer novidades para as companhias. Na passada sexta-feira, o vereador da cultura da Câmara Municipal do Porto garantiu que iria tomar “a iniciativa de contactar a ministra da Cultura”. António Sousa Gomes assume somente um papel de intermedário na questão, mas não deixa de avançar com um projecto camarário que poderá facultar verbas às companhias que possuam palcos próprios. O projecto Teatro em Rede permitirá o uso das salas de espectáculo pelas companhias que não tenham espaço próprio. Caberá à Câmara pagar o aluguer dos equipamentos às companhias que detêm os espaços.

António Sousa Gomes espera que o Teatro em Rede possa contribuir para o amenizar da situação financeira de muitas companhias. Contudo, apesar das boas intenções do vereador e da própria oposição, o teatro do Porto está em risco de parar. A Ensemble encerrou a sua actividade no passado domingo. A “Lei de Sócrates”, com estreia prevista para esta noite, foi cancelada pela As Boas Raparigas, enquanto que o Teatro Bruto e a Seiva Trupe não garantem mais do que o próximo espectáculo. Jorge Pinto, da Ensemble, ameaça: “Se nada for feito o próximo passo é irmos para a frente do ministério”.

Mariana Teixeira Santos