Chegou a Portugal em 1990. Já fez um pouco de tudo na vida: foi carteiro, empregado de mesa, secretário. Entretanto, estudou música, Religiões Comparadas e jornalismo. Hoje é professor na Universidade do Porto, na licenciatura de Jornalismo e Ciências da Comunicação. E é também escritor, com livros traduzidos em diversas línguas, alguns dos quais verdadeiros sucessos de vendas. Chama-se Richard Zimler e tem um novo livro.

“Goa ou o Guardião da Aurora” é mais um livro de denúncia das injustiças cometidas contra os judeus portugueses, sobre mais uma geração da família Zarco que foge às malhas da Inquisição. Eis um escritor que tem “a emoção” como “bateria”.

Porquê este interesse de um americano pelo êxodo dos judeus portugueses?

Não sei exactamente. Sinto uma certa curiosidade pelas coisas que não conheço. E não conhecendo nada do mundo judaico português, quando cheguei a Portugal, em 1990, decidi investigar. E descobri que a história judaica portuguesa é muito interessante porque os judeus portugueses construíram uma diáspora que vem das ilhas Caraíbas até à Índia. Eu posso pegar em qualquer parte do mapa, em qualquer século, e contar uma história sobre esse povo.

Os judeus portugueses têm uma história muito dramática, o que é muito útil para um romancista. Eles sofreram de tudo. E isso dá um bom contexto para eu contar uma história cativante.

“Goa ou o Guardião da Aurora” dá continuidade à saga da família Zarco. É mais um livro de denúncia contra as injustiças cometidas contra os judeus, mas num contexto diferente (Goa). Como é que surgiu a ideia de escrever sobre esta antiga colónia portuguesa tão distante?

A ideia para este romance surgiu há uns anos atrás, quando eu estava a fazer a pesquisa para o meu primeiro romance, “O Último Cabalista de Lisboa”. Li que a Inquisição tinha sido exportada para Goa. Não fiz nada na altura porque não fazia parte do contexto daquele romance, mas, há mais ou menos três anos, decidi pesquisar mais sobre a Inquisição em Goa e descobri que foi bastante cruel. Aliás, os historiadores pensam que este foi o local, de todo o mapa português e espanhol, onde a Inquisição foi mais terrível.
Os portugueses destruíram mais de trezentos templos hindus e também perseguiram os hindus convertidos ao cristianismo, assim como os judeus, desde 1517 até 1812. E li também que a pessoa que pediu ao rei a imposição da Inquisição em Goa foi o próprio São Francisco Xavier. Quando li isso tudo, e sobretudo por São Francisco Xavier ser canonizado depois de ter pedido a imposição desta “máquina da morte”, fiquei bastante enfurecido. E a emoção é a minha bateria. Eu preciso de uma emoção muito forte, muito viva, para manter a minha atenção e para justificar o esforço físico durante o processo de escrita que pode durar um, dois anos, ou mais.

Disse numa entrevista que “a história foi escrita por aqueles que venceram as guerras e as batalhas” e que quer “dar a versão dos vencidos, que não tiveram voz”. É isso que pretende com a sua escrita?

Sim, porque as pessoas que ganham as batalhas e ganham as eleições, que têm dinheiro e poder não precisam de mim. Já têm muitos propagandistas para escrever a história do ponto de vista deles. Quem precisa de mim são as pessoas que não têm voz, os vencidos. E isso para mim é muito mais interessante, porque já sabemos a história segundo os reis, os primeiros-ministros ou os grandes milionários. Do que nós precisamos é das histórias não conhecidas, das pessoas que perderam tudo na vida ou que foram perseguidas. É essa gente que precisa de romances.

Texto e foto: Anabela Couto