É um renascido “Dom Juan” – ou “D. João” – que sobe hoje, quinta-feira, à cena no Teatro Nacional de S. João (TNSJ), no Porto, para lá ficar até 5 de Março. Os jovens actores Pedro Almendra, no papel do libertino D. João, e Hugo Torres, como o escudeiro Esganarelo, formam o par de protagonistas da peça encenada pelo director do TNSJ, Ricardo Pais, e traduzida por Nuno Júdice.

Foi por “prazer” e pelo gosto particular por esta obra, de 1665, no contexto do repertório de Molière, que Ricardo Pais encenou a história clássica do conquistador libertino. “Não me muni de instrumentos filosóficos para análise do texto”, esclareceu aos jornalistas, na apresentação de “D. João”.

A peça surpreende pelo impacto visual: o cenário é ocupado quase inteiramente por uma plataforma de madeira que se vai transformando, com várias alçapões onde se concentram momentos cruciais da acção. Ricardo Pais retirou quase todas as marcas temporais da acção, conferindo à peça um carácter “transepocal”, que reforça a universalidade do mito de Dom Juan.

“D. João” é um “risco”

A tradução de Nuno Júdice contou com a colaboração de João Veloso, docente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O linguista encontrou no caxineiro (dialecto das Caxinas, localidade piscatória do concelho de Vila do Conde) um equivalente português para o “patois” do original.

“Os teatros devem ser templos da palavra”, justifica Ricardo Pais, que lamenta a falta de estudo dos dialectos a nível nacional. “O teatro tem obrigação de fazer a redenção dessa desgraça”, defende.

Encenar o clássico de Molière serve, segundo o encenador, de manifesto de “defesa da inconstância e de um certo conceito de infidelidade em nome da liberdade própria e da hipocrisia”.

Ricardo Pais atira algumas críticas sem destinatário explícito: “é um risco fazer-se o que quer que seja neste país e muito menos património universal”. Sem querer comentar a situação do Teatro Nacional D. Maria II, Ricardo Pais diz que a discussão actual sobre as competências e vocação dos teatros nacionais revela que o conceito está “ajavardado”.

“Não é possível discutir o conceito de teatro nacional sem conhecer a própria lei” que determina que é missão destas estruturas promover o património histórico-teatral, bem como a criação teatral contemporânea, defende Ricardo Pais. Nesta conjuntura, encenar “D. João” assume, para o encenador, um “valor simbólico particular”.

Pedro Rios
Fotos: DR