“O actual código de processo penal é bom, mas difícil de executar e carente de ajustes e actualizações”. Quem o diz é Rui Pereira, coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, que expôs hoje, quarta-feira, na Universidade Lusíada, no Porto, as principais alterações a introduzir no novo código de processo penal (CPP) a aprovar pela Assembleia da República.

Após a aprovação, o novo CPP estará ainda sujeito a avaliações bienais através de relatórios apresentados também na Assembleia. O objectivo é possibilitar um sistema judicial o mais adequado possível às constantes evoluções do panorama criminal português.

Rui Pereira enumerou hoje vários vazios legais que se observaram nos últimos anos no país, juntamente com as rectificações adicionadas ao novo código. Os incentivos para a reforma partiram também de pressões de Bruxelas, de recomendações da Comissão da Reforma do Sistema Prisional, assim como do Tribunal Constitucional e do Provedor de Justiça.

Em termos de atribuição de penas, a reforma prevê uma maior adequação entre os crimes cometidos e as respectivas condenações decididas. Para tal, Rui Pereira defendeu uma diversificação das penas possíveis, para além das de prisão efectiva. As novas penas substitutivas incluem a hipótese de suspensão da actividade profissional do arguido, em casos de condenação a prisão até três anos. Dependendo da natureza do crime, o suspeito poderá também ser condenado a penas de prisão domiciliária com pulseira electrónica até um ano, ou em casos especiais, como tratando-se de mães solteiras ou grávidas, até três anos.

O estatuto das prisões preventivas foi também revisto, sendo que a proposta de reforma penal não contempla a sua hipótese em caso de suspeitas gerais, sem que hajam fortes indícios de crime, e prevê a redução da sua duração máxima, que actualmente chega aos quatro anos e nove meses. Caso a prisão preventiva se revele injustificada, está agora consagrada no código a hipótese de indemnização do lesado.

A reforma prevê ainda uma nova forma de justiça, a restaurativa, que permite a arquivação dos processos de dano público caso o arguido repare ou restaure os prejuízos que causou.

Lacunas na legislação actual

Há actualmente vários fenómenos criminais graves que carecem de referências específicas no CPP, e cuja penalização fica sempre aquém do justo por se enquadrarem somente em alíneas gerais.

É o caso, por exemplo, do tráfico de pessoas, armas e orgãos, que se inserem em leis antigas de escravatura e contrabando. O fogo posto e crimes ambientais também só são referidos no actual código por linhas muito gerais.

O novo código pretende abranger um maior leque de pessoas especialmente indefesas. O estatuto de vítima de violência doméstica vai passar a abarcar casais homossexuais, assim como a definição de violação sexual passará a verificar-se mesmo sem contacto sexual directo, abrangendo a utilização de objectos e a mera exposição sexual ou exibicionismo.

Poderá também ser ampliada a noção do que é considerado crime qualificado. O homicídio entre cônjuges ou no âmbito de uniões de facto, também independentemente da orientação sexual do casal, assim como crimes de ódio contra opções sexuais e de índole racista, poderão implicar penas mais pesadas.

A trancrição de escutas telefónicas, o segredo de justiça de aplicação universal e a proibição do acesso às actas dos processos pelos arguidos, são outras medidas ajustadas e regularizadas.

Reforma é “urgente”

Para Rui Pereira é urgente a reforma do processo penal para uma adequação ao panorama social vigente. Para o coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal o sistema actual não deve nada ao do resto da Europa, mas carece de actualizações urgentes.

Rui Pereira defende um sistema penal em que o Ministério Público não possua um carácter acusatório, como nos Estados Unidos. A reforma do código de processo penal poderá contrariar a tendência que, segundo o coordenador, aponta nesse sentido.

Texto e foto: André Sá