O encerramento de um serviço como uma unidade de partos é entendido pelas populações e poder local como “uma diminuição da importância que a terra tem”. A afirmação é de Álvaro Domingues, especialista na área da Urbanística e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, em entrevista ao JPN, numa altura em que as localidades protestam contra a intenção do Governo de encerrar um conjunto de unidades de parto um pouco por todo o país.

Considera que o fecho das maternidades, que tem acontecido sobretudo no interior, onde fecham também as escolas, acentua as assimetrias regionais que já existem?

Não se pode fazer uma associação directa entre uma e outra coisa. Ouvimos a opinião dos técnicos ligados à educação e à saúde, ouvimos argumentos que têm a ver com a eficiência, com a racionalização dos serviços, com a qualidade. Isto são os argumentos técnicos. Depois, a filtragem que se faz desses temas ao nível da discussão local é outra coisa. E, muitas vezes, misturam-se assuntos. É certo que nenhuma cidade ou município gosta de perder funções. Isso tem a ver com a auto-estima, com a importância que as instituições conferem a uma cidade.

O território já não tem aquele “atrito” que tinha há alguns anos. O mapa de Portugal encolheu, na facilidade de comunicação, quer para distâncias curtas, quer para distâncias longas. Temos uma grande proliferação de instituições por uma rede urbana que é muito desequilibrada. Chegou a altura de fazer uma reavaliação desses serviços e de fazer um novo mapa da sua distribuição, de maneira a torná-los mais racionais. O que estamos a assistir é uma questão que, mais tarde ou mais cedo, teria que acontecer e que não significa necessariamente uma diminuição da qualidade dos serviços oferecidos. Quero acreditar que até será o contrário.

As câmaras têm-se juntado para tentar contrariar estas medidas do Governo. Mas o que é significa para as populações verem os seus filhos nascerem noutras localidades. Há aqui uma questão territorial?

Temos de nos habituar a este mapa de geometria variável em que algumas coisas podemos fazer localmente (de preferência aquilo que é o quotidiano das nossas vivências) e outras temos de nos deslocar. Isto não deve ser confundido com a auto-estima ao nível do discurso político local. As pessoas associam, legitimamente, a perda de uma função a uma menor importância daquela localidade. Mas a solução é as cidades, em vez de se posicionarem numa tabela hierárquica, posicionarem-se numa tabela em que não conta apenas a hierarquia, mas também a especialização. Isto é, tentarem captar uma função que não exista à volta e que lhe dê alguma especificidade e algum poder de polarização.

Referia-me não tanto ao poder local, às câmaras, mas mais até às comissões de defesa das maternidades e ao fenómeno de manifestações e movimentos cívicos que aconteceram.

É natural que as pessoas reajam assim numa primeira reacção e ponham em cima da mesa um determinado tipo de argumentos que não estão ligados à saúde. Estas reacções à flôr da pele são perfeitamente explicáveis: ninguém gosta de perder uma determinada função (uma escola, uma maternidade, um politécnico), porque isso é imediatamente percebido como uma diminuição da importância que a terra tem. E é uma reacção que não deve ser confundida com bairrismos.

Chegámos a ouvir expressões como “esta é a visão de um senhor de Lisboa”. Falou-se, da parte das câmaras, que, se houvesse regionalização, os critérios para o encerramento das maternidades não seriam exactamente os mesmos. Concorda?

Pode ser que os critérios não fossem os mesmos, mas acontecia a mesma coisa. É necessário racionalizar os serviços públicos. Uma determinada rede de serviços nunca está completamente fixado no mapa. E eu concordo que, se houvesse entidades administrativas regionais, as coisas se processavam de outro modo. As entidades regionais conseguem fazer a coordenação de várias políticas sectoriais de saúde, ensino, etc. e conseguem ter uma maior sensibilidade àquilo que são os efeitos dessas políticas sectoriais ao nível local. Todas estas medidas têm sempre uma leitura territorial e onde há administrações regionais, elas têm a possibilidade de propor alternativas.

Inês Castanheira
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