A professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e especialista em minorias religiosas, Helena Vilaça, diz que “a religião pode ter uma função de protecção da identidade” dos imigrantes no país de acolhimento.

Apesar do pluralismo religioso emergente, a Igreja Católica é ainda hegemónica no país. A especialista observa um “esforço de aproximação entre muçulmanos e cristãos” e crê que modernidade não significa fim da religião, mas agrava expansão de fundamentalismos.

“Da Torre de Babel às Terras Prometidas-Pluralismo Religioso em Portugal” é o livro que acaba de editar, com a chancela das Edições Afrontamento, em colaboração com o Departamento de Sociologia da FLUP.

O título do livro parece remeter para o pluralismo religioso, mas, ao mesmo tempo, aponta para um mito bíblico. Não há aqui uma contradição?

É num contexto cristão que abordo o pluralismo. Por exemplo, a sociedade portuguesa é de monolitismo católico-romano e as primeiras minorias a aparecerem cá, no século XIX, eram também cristãs.

O que representam a “Torre de Babel” e as “Terras Prometidas” no seu livro?

A Torre de Babel tem a ver com o mito da comunicação perfeita. No mito bíblico, Deus não destrói a Torre, confunde os homens, pondo-os a falar cada um a sua própria língua. Os homens separam-se e vão à procura, cada um, do seu espaço, das suas terras prometidas.

E qual a ligação entre a Torre de Babel e o pluralismo religioso?

A minha ideia é que não pode existir, no campo religioso, uma Torre de Babel, um monolitismo religioso, mas que há espaço para todos os grupos religiosos. Uso prepositadamente “terras prometidas” no plural porque cada grupo tem a sua terra prometida.

Qual o panorama desses grupos minoritários em Portugal?

Neste momento, as minorias religiosas andam à volta dos 3%. Mas devem ser mais do que isso – basta pensar nos imigrantes por legalizar que cá temos. Se olharmos para os censos de 2001 temos, em primeiro lugar, 84.5% de católicos e 2.5% de outras religiões [fora os que não têm religião (3.94%) e os que não respondem (9%)].
Dentro das minorias religiosas, a mais importante é a dos protestantes. A comunidade judaica tem vindo a decrescer. A ortodoxa tem vindo a crescer porque é a Igreja maioritária no leste da Europa (o que tem a ver com a imigração). Depois há outros movimentos não cristãos, os hindus, os budistas e alguns ligados ao New Age.

O que representam os imigrantes na introdução de novos movimentos religiosos em Portugal?

As comunidades religiosas são o porto de abrigo e a porta de entrada para a integração social de imigrantes. No filme “Lisboetas” de Sérgio Tréfaut, o realizador não escamoteia o fenómeno religioso e apresenta uma série de comunidades religiosas, desde muçulmanos, ortodoxos ou cultos em língua inglesa com comunidades africanas evangélicas. A religião pode ter uma função de protecção de identidade cultural relativamente à origem e de integração na sociedade nova.

Há espaço para movimentos alternativos à Igreja Católica em Portugal?

O individualismo cresceu na sociedade portuguesa, o que não quer dizer que a Igreja Católica não tenha um poder acrescido na comunicação. Basta olhar para os meios de comunicação social e ver os tempos de antena que a Igreja Católica tem.

Apesar do pluralismo emergente, continua a subsistir a hegemonia católica?

Sim, não se anula um passado de não sei quantos séculos em dois dias.

O facto de ser maioritária do ponto de vista religioso, implica um tratamento preferencial a nível jurídico?

A nova lei já prevê mais igualdade. Vem trazer alguma justiça porque não se admite que os muçulmanos ou hindus não possam dar nomes, de acordo com a sua cultura, aos filhos. No plano jurídico, há um conjunto de igualdades que foram conquistadas. Já do ponto de vista sociológico, as minorias religiosas ainda têm fraca visibilidade, ou quando são objecto de referência é, muitas vezes, de uma forma enviesada.

Carina Branco
Foto: SXC