Cinquenta e oito países assinaram os “Princípios de Paris”, um documento não vinculativo mas que assume pela primeira vez o compromisso de retirar as crianças-soldado dos conflitos e lutar contra o flagelo.

Representantes dos governos, associações humanitárias e a UNICEF, organização da ONU para as crianças, estão reunidos desde ontem em Paris na Conferência “Free Children from War“.

Reflectir sobre a utilização de crianças em cenários de guerra, analisar o problema e encontrar meios consistentes para o combater são os principais objectivos do encontro.

Um criança-soldado não é só aquela que vai combater. É também usada como mensageira, espia e escrava sexual dos grupos armados. A pobreza, a propaganda e os interesses ideológicos continuam a provocar o envolvimento de crianças em vários conflitos.

África e Ásia são os continentes mais atingidos por este problema. Os actuais conflitos no Afeganistão, Filipinas, Indonésia, Birmânia, Sudão e Colômbia são os mais graves. No entanto, outros países recrutam crianças para conflitos armados, na maioria dos casos guerras civis ou de guerrilha. Aos olhos dos grupos armados, as crianças são soldados baratos e obedientes.

Na conferência estão presentes representantes de 10 dos 12 países em que a ONU considera existir o recrutamento e a utilização de crianças-soldados. Sudão, Chade, Uganda, República Democrática do Congo, Colômbia, Nepal e Sri Lanka vão assinar os “Princípios de Paris”. A Birmânia e as Filipinas não participam.

Necessidade de reintegração social

A maioria das crianças-soldado são raptadas de suas casas. Vivem em meios pobres e marcados pelo analfabetismo, sendo, muitas vezes, de zonas rurais. Aquelas que se voluntariam são guiadas pelo desejo de se libertarem da pobreza e fazerem parte de um grupo político e ideológico. Calcula-se que, em 2006, 250 mil crianças combateram em diversos conflitos armados.

“O objectivo fundamental desta conferência é garantir um envolvimento sem equívocos dos Estados para pôr fim ao recrutamento e à utilização das crianças-soldado”, afirmou ao “Le Monde” o director do programa da UNICEF que combate este flagelo, Henri Leblanc.

O encontro pretende também alertar para necessidade de reintegração das crianças-soldado. Aquelas que sobrevivem aos conflitos ficam física e psicologicamente afectadas e necessitam de apoio para se reintegrarem na sociedade.

A ONU e as múltiplas organizações humanitárias que actuam no terreno têm feito esforços para fornecer às crianças-soldado educação e participação activa nas comunidades a que pertencem.

A conferência “Free Children from War” acontece 10 anos depois de um primeiro encontro na África do Sul, em que se estabeleceu a idade mínima de 18 anos para o recrutamento e foram demarcadas estratégias para combater o problema. Em 2002, o Tribunal Penal Internacional determinou que a utilização de crianças-soldado é um crime de guerra.

“É fácil tornar-se uma criança-soldado mas é muito mais difícil recuperar a sua humanidade”, declarou, ontem na conferência, Ishmael Beah, uma antiga criança envolvida num conflito militar na Serra Leoa, hoje com 26 anos.

Alice Barcellos
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Foto: ONU