Promover a unidade entre cristãos é uma das metas de Bento XVI, o que não se tem afigurado tarefa simples. As discrepâncias entre Santa Sé e o Patriarcado Ortodoxo de Moscovo, que continua a apontar o dedo a Roma, acusando-a de “proselitismo”, são um entrave a este objectivo que o Papa enunciou logo na primeira missa que celebrou, há dois anos.
Aura Miguel, jornalista da Rádio Renascença, faz um balanço positivo dos dois anos de Pontificado. No entanto, a especialista em assuntos do Vaticano afirma que este tempo não é suficiente para avaliar o papado.
Ainda que as diferenças tenham parecido menores ultimamente, desde que as igrejas encetaram uma série de reuniões, continuam escassas as hipóteses de um encontro entre Bento XVI e o patriarca Alexei II, união essa que era um sonho acalentado pelo papa anterior, João Paulo II.
No entanto, a visita de Bento XVI a Istambul, em Novembro, que contribuiu para reatar os laços com os islâmicos, abaladas após o discurso do Papa em Setembro, mostrou que a ligação com o Patriarcado Ecuménico de Constantinopla não está comprometida. A polémica disparou quando Bento XVI desvalorizou o papel de Maomé, dizendo que “Maomé não tinha trazido nada inovador excepto a ordem de espalhar a fé mediante a espada”, o que revoltou os muçulmanos.
Algumas atitudes do Papa, como a posição mais “elástica” face à entrada da Turquia na União Europeia, mostram maior tolerância e uma melhoria das relações com o mundo religioso ortodoxo e com a China, em que os católicos ainda sofrem com a perseguição dos comunistas.
Especialistas no assunto crêem, porém, que Bento XVI conduziu o seu pontificado centrando-se “na palavra e na doutrinação, com importantes doses de conservadorismo”.
Bruno Bartoloni, especialista em religião do jornal “Corriere della Sera”, diz que Bento XVI tende ao “individualismo” face ao antecessor. “Ratzinger toma muitas decisões sozinho e nem sempre escuta os colaboradores”, o que, se fizesse, “evitaria incidentes como quando foi acusado de ofender os muçulmanos”.
Opções do Papa, como a de adoptar a missa tridentina de Pio V (em que os padres ficam virados para o altar e de costas para os fiéis) ou a de ressuscitar o latim como língua sagrada do catolicismo, são tidas pelo perito como “um pouco constrangedoras”.
A conhecida opinião do Papa na questão do celibato para os padres, a defesa da família tradicional e o facto de ter considerado o segundo casamento uma “praga”, além das posições inflexíveis perante a eutanásia, aborto, utilização do preservativo e casamento entre homossexuais, fizeram com que o jornal italiano “Il Manifesto” considerasse que “Bento XVI estava a apagar meio século de história”.
O escritor católico Vittorio Mesori, em entrevista ao jornal “La Stampa”, chamou a atenção para a contradição do Catolicismo, ao referir que os católicos não obedecem às normas morais da igreja em privado. “Até vão à missa, mas não seguem os princípios de ética sexual”, rematou. No entanto, Aura Miguel discorda e diz que o Papa é “muito mais progressista e avançado do que a maioria das pessoas que pensam que ele é conservador”.
Quanto ao futuro, Aura Miguel ainda vê pouca abertura nas relações com a Igreja Ortodoxa, mundo islâmico e China, apesar dos sinais de boa vontade