Em 1977, segundo ano do I Governo Constitucional e ano em que o país formalizou o pedido de adesão à União Europeia, surge pela primeira vez nos ecrãs portugueses uma telenovela, que marcaria a entrada na vida dos portugueses de um contar de histórias quase reais – chamava-se “Gabriela, Cravo e Canela” e foi emitida pela primeira vez a 16 de Maio.

Com as televisões ainda a preto e branco e as páginas da imprensa a destacar os acontecimentos políticos, a rede brasileira Globo entra em Portugal com uma história de Jorge Amado. 45 minutos diários de telenovela numa altura em que “a produção nacional era insuficiente” e as “telenovelas brasileiras tinham uma importância enorme”, afirma Helena Sousa, investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho e autora de trabalhos académicos sobre televisão e, mais concretamente, a expansão da Globo.

Influente, apelativa, tema de conversa, a telenovela chega mesmo a suspender os trabalhos do Conselho de Ministros. Que influências são essas que o programa exerce? Helena Sousa diz ser “impossível dar uma resposta”. No entanto, aponta que “encontramos mecanismos e formas de influências na própria linguagem, no discurso nos padrões de consumo e estilos de vida”.

Já o actor António Capelo considera que “ao tomarmos consciência dos problemas dos outros”, a partir do que é representado nos ecrãs da televisão, “as pessoas tornam-se mais solidárias e mais curiosas”.

Que retrato social nos dão as telenovelas?

A telenovela entra pela casa e para o telespectador parece que aquelas vidas também são as dele. O actor lembra que “podem não ser um retrato da realidade”, porque “a arte não tem de ser a realidade, tem de ser a maneira como vemos a realidade”.

“É importante discutir algumas questões”, nota o actor, e as telenovelas “levantam algumas questões da realidade”. Facto que, para António Capelo, é importante, pois leva o telespectador a tomar “consciência da realidade”.

Contam-nos histórias, mostram diferentes realidades. As produções brasileiras, diz Helena Sousa, “correspondem ao que faz sentido na realidade brasileira”. Em geral, são uma resposta “aos interesses das audiências, principalmente nacional, mas também dos vários países”. E, ao longo dos 30 anos, “acompanharam as mudanças da sociedade”.

Produção nacional começa a ganhar terreno

Nos dias que correm, as telenovelas brasileira têm altos níveis de audiência. Mas o que se produz no nosso país começa-se a revelar. Helena Sousa diz que “a produção portuguesa tem feito um grande esforço no sentido de desenvolver produtos que são do gosto das audiências”.

“As telenovelas têm conseguido conquistar audiências muito significativas”, refere, dando como exemplo as novelas infanto-juvenis.

Leves, acessíveis e fáceis de serem consumidas, as telenovelas são “produtos que se compaginam com a rotina das pessoas”, remata Helena Sousa.

Indústria em detrimento da arte da ficção

Em 1977, a indústria portuguesa das telenovelas ainda não existia. A Globo ocupava uma posição que apenas cinco anos depois teria companhia com a primeira telenovela portuguesa: “Vila Faia”.

Volveram 30 anos e as diferenças são notórias. António Capelo acentua que “aquilo que era no início uma espécie de arte da ficção, hoje tornou-se mais numa indústria” menos estimulante artisticamente. E ressalta que “o processo evolutivo tem sido bastante acentuado, do ponto de vista artístico e técnico”, possibilitado pelo crescimento dos “meios”.