O grupo Ensemble – Sociedade de Actores e o encenador Rogério de Carvalho juntaram-se, 18 anos depois, para reencenar “O Cerejal” (1904), de Anton Tchékhov. “Muita coisa aconteceu, para além de envelhecermos… Obrigou-nos a esquecer muito do que tínhamos na memória do antigo ‘O Cerejal'”, explica Emília Silvestre, actriz que também integrava o elenco de 1989.

“É sempre possível aprofundar”, declara Jorge Pinto. “Logo de início, não encarámos isto como se fôssemos fazer os mesmos papéis”, acrescenta. Segundo Emília Silvestre, o trabalho de actor “é um trabalho de mineiros: vamos escavando por camadas, há sempre partes que não foram exploradas”.

Rogério de Carvalho conhece bem a obra de Tchékhov. Esta é a terceira encenação que faz de “O Cerejal”, depois de um segundo trabalho com a Escola da Noite, em Coimbra, em 2004. A peça fica no Teatro Carlos Alberto, no Porto, de amanhã, quinta-feira, a 21 de Outubro. De terça a sábado, às 21h30, e aos domingos, às 16h00.

Surpreender Tchékhov

Jorge Pinto explica que a nova interpretação “tinha de surpreender Tchékhov”, porque já assistimos à “evolução da humanidade” 100 anos depois do momento em que o autor russo escreveu as suas obras: “Ele viu o burguês antes de ele dominar [as outras classes sociais], viu o revolucionário antes de ver o resultado das revoluções comunistas”.

No entanto, Tchékhov “não critica ninguém”, defende Silvestre. “Ele expõe uma classe que está a desaparecer [a nobreza] e outra que está a emergir [a burguesia], mas nunca diz qual delas está certa”.

Lidar com o passado

Liubov Andréievna (Emília Silvestre) é a matriarca de uma família aristocrata russa em declínio financeiro, que a obriga a vender vários dos seus bens, entre eles, um cerejal. É possível salvar o pomar, mas para isso é preciso dividir o terreno, para construir casas de campo.

Contudo, tanto para Liubov, como para Gaév, seu irmão (Jorge Pinto), “sobreviver no cerejal loteado é inconcebível”, diz Emília Silvestre, porque todas as suas memórias estão lá enterradas. Liubov volta “para lidar com o passado”.

Tchékhov aproxima o público dos actores, transforma o teatro numa “comunhão”: “Ele toca-nos tanto, fala-nos tanto dos nossos sentimentos e faz com que estas personagens estejam próximas de nós, mesmo com 100 anos, porque sentem o mesmo”.