“Acho bem que tenhamos uma Casa da Música, Serralves, mas uma cidade não se faz com isso. Isso é uma montra europeia da cidade, a cidade é outra coisa: é orgânica, precisa de ter um espaço sobre si própria, para uma cultura gerada pela própria cidade”. O encenador João Paulo Costa protagonizou um dos discursos mais críticos do debate de segunda-feira à noite sobre o estado do Teatro no Porto.

“Eu gosto muito das exposições que vêm da Europa, mas gostava mais que a nossa cidade fosse capaz de produzir com qualidade e condições técnicas e artísticas, senão a cidade transforma-se num receptáculo de eventos”, num “apeadeiro”, referiu Costa, que pertence à Academia Contemporânea do Espectáculo (ACE)/Teatro do Bolhão.

Acção e reacção

Num debate organizado pela publicação [up]arte, debateu-se, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (UP), o estado do teatro, particularmente no Porto, à luz da oposição cromática entre o universo do xadrez: brancas e negras.

A iniciativa, aberta ao público, partiu duma premissa simbólica para discutir o que significa, hoje em dia, fazer teatro no Porto. Lino Teixeira moderou “Blackout: Deu-me uma branca!”, que teve a participação dos actores e encenadores António Capelo, João Paulo Costa e Daniel Pinto.

Foram várias as questões levantadas, desde as políticas culturais com apoio do Estado até ao facto de o teatro poder ser activo ou reactivo, isto é, jogar nas brancas ou nas pretas, à semelhança de um jogo de xadrez.

João Paulo Costa assume que tem “jogado com as pretas”, na medida em que funciona por reacção, “no sentido de reagir a um texto que alguém escreveu, a outros intérpretes, às indicações de alguém que está a dirigir.”

Já Daniel Pinto, do Teatro Nacional de S. João, não foi tão radical na dicotomia metafórica: “Eu digo que a situação estará mais entre o cinzento, do que entre o branco e o negro. Mas jogo negras, porque sempre reagi perante uma certa imposição e coloco-me, com a liberdade que me é permitida, em reacção a isso. Penso que temos de jogar de negras, perante as dificuldades existentes, não há outra opção.”

O director da ACE, António Capelo, criticou o provincianismo e a incompreensão do poder político em relação a novos projectos artísticos: “A cidade do Porto não é hoje uma cidade muito gratificante para aqueles que produzem cultura. Continuamos a ter uma cidade provinciana e o Porto tinha capacidade para ser uma cidade urbana, a afirmar valores de cultura muito mais fortes do que aqueles que afirma. Se antes da chegada do Teatro Nacional [S. João], a área do teatro era um deserto, agora também não é um oásis.”

Problemas de índole cultural

João Paulo Costa salientou a existência de problemas de índole cultural: “As pessoas vão a um bar, bebem 10 cervejas ou pagam 50 euros numa noite, mas se calhar depois não estão motivadas para dar 10 euros por um bilhete de teatro”. Por isso, “há toda uma reformulação social e cultural que é necessário desenvolver e que não se consegue de um dia para o outro”.

Quanto à questão do financiamento, António Capelo destacou a importância de uma aposta do Estado “na formação, criando aptidões nos públicos para usufruto da cultura”.

João Paulo Costa foi mais específico: “O financiamento do Estado não é um financiamento de expectativas. Existe um núcleo de pessoas que está estabilizado e as pessoas que estão mais estabilizadas são as que têm mais apoios”.