“Faz falta pensar que o centro histórico não é uma excepção, mas antes um motor de outras mudanças”, diz o consultor da UNESCO no processo de classificação da zona como Património Mundial, em entrevista ao JPN.

O que é que se pode fazer, em concreto, pela centro histórico do Porto?

Em Valência, onde vivo, as acções de reabilitação do centro histórico – muito maior que este e difícil – passaram por vantagens económicas na recuperação dos edifícios. Não estou a dizer que esta é a solução. Houve uma ligação entre os governos local e regional e as entidades bancárias que concedem empréstimo.

É a tal “acção concertada” de que falou na sua intervenção de terça-feira?

Sim, sem isso não se consegue. Os bancos não se importam de investir porque são compensados pelo Estado. No Porto, acho que devemos partir de tudo o que está feito pela Porto 2001 – Serralves, Casa da Música, teatros. São importantes mas não são suficientes. Faz falta pensar que o centro histórico não é uma excepção, mas antes um motor de outras mudanças.

Deve ser uma referência para o restante tecido urbano?

Claro. Quando alguém chega a uma cidade imediatamente vai ao centro. Convido a actual câmara a retomar as acções [que se faziam aquando da classificação]. Há problemas de acessibilidade, existem as barreiras do rio e do trânsito, mas o Porto é potencialmente forte. Penso que se pode fazer mais.

Há quem diga que o título da UNESCO devia ter sido mais capitalizado.

Não sei. Não sou pessimista, o pessimismo não conduz a nada. O que digo é que uma cidade é um elemento vivo que necessita de “comer” todos os dias. Precisa de manutenção, de melhorias no que a perturba, etc.

Não se pode considerar o Porto só como um lugar turístico, se bem que isso pode ajudar. A cidade deve pensar que tira muito partido deste título e, por isso, tem que devolver algo. Há muito poucas cidades Património Mundial e os critérios são cada vez mais exigentes. Portanto, estar nesta lista reduzida é muito importante.

Recorda-se dos quatro dias que passou no Porto na altura da classificação?

Quatro dias de chuva terrível [risos]. Foi uma experiência esplêndida. Vimos tudo, reunimos com todos – directores de museus, pessoas da cultura, gente da câmara, do CRUARB [Comissariado para a Renovação Urbana da Área de Ribeira/Barredo] …

O que é que o encanta na cidade?

Encanta-me o ambiente, a silhueta da cidade. Gosto muito da Ribeira, os lugares que é preciso descobrir – uma igrejazinha, uma pequena capela. Gostei muito da Bolsa, dos Clérigos, da Sé Catedral, toda essa espécie de itinerário que se pode seguir.

Mas constatei também os problemas de quem vive aqui. Não sei se está melhor, mas disseram-me que faltam resolver muitos problemas. E gosto muito das pontes: a imagem das pontes é extraordinária.

Em 1973, quando visitou o Porto pela primeira vez, Portugal era um país muito diferente. Entretanto, cresceu uma área metropolitana em torno do Porto. É difícil ligar o centro histórico à metrópole?

É muito difícil. Mas o metro e as melhores acessibilidades ajudaram a aumentar a ligação entre outros pontos e o centro histórico. Os pontos de dinamismo – os museus, os concertos, os teatros – não estão no centro histórico, a não ser, talvez, na frente ribeirinha.

É preciso, por isso, conseguir um lugar que seja capaz de trazer as pessoas vindas de outros pontos. O núcleo será sempre o núcleo. O importante é não o perder e evitar que seja um elemento morto. Podem ser feitas muitas coisas.