Muitos cafés e tascas de Gaia substituíram o fado do povo pelo karaoke. Mas ainda há quem tente preservá-lo, com noites de fado vadio em que qualquer pessoa pode assumir, por uma noite, o papel de fadista.

Carlos Saraiva, dono do café “Tapas”, perto da Afurada, apreciador do fado amador, afirma que o fado é uma tradição que deve ser preservada. “É mesmo uma situação de pôr as pessoas a ouvir aquilo de que se gosta. É isso que eu quero manter”, diz ao JPN, durante uma das noites de fado do “Tapas”, que costumam acontecer uma vez por mês.

Uma noite entre os fadistas

No ambiente à luz das velas, os fadistas, quase todos da Afurada, apresentam-se. Manuel Miranda, além de cantar, anuncia os intérpretes das canções. Perto de completar 40 anos de fado, o artista confessa que o fado “é uma doença”. “Se não tiver fado, não fico bem”, garante.

Lúcia de Fátima é uma das intérpretes da noite. Aos 45 anos, canta o fado triste, da dor, da morte. Não vive do fado, porque nunca teve “possibilidades para isto”.

Lúcia de Fátima é peixeira, o marido, electricista. “Do fado não dava para viver, morria à fome”, diz, entre risos. O primeiro contacto com o público foi aos quinze anos, quando começou a ir a cafés e a tascas apresentar-se.

Admirador de Amália, o pai de Lúcia morreu quando ela tinha 10 anos. A fadista amadora lamenta que o pai não tenha chegado a conhecer esta “faceta” da filha. Em 1989, Lúcia foi a um concurso de fado amador no Coliseu do Porto e ficou em terceiro lugar. Cantou um fado “inédito” em homenagem ao seu pai. Falava da sua gente, dos mares, das redes da pesca.

Cada um à sua moda, os fadistas dedicam as músicas às pessoas das mesas, revelando a cumplicidade estabelecida pelas canções. O público é, na sua maioria, composto por pessoas mais velhas, agrupadas em famílias ou grupos de amigos.

Um brasileiro apaixonado pela guitarra

Depois de Lúcia de Fátima, é a vez de Joaquim Pinto, cantor de fado humorístico. Joaquim é taxista e canta o fado apenas como diversão. “Eu gosto mais do fado alegre para as pessoas se rirem”, afirma. Explica que o fado cantado à noite costuma ser triste, porque demonstra a solidão, e que ele procura cantar de uma maneira diferente.

Manuel Miranda anuncia o próximo fadista: “Uma miúda de tão pouca idade, Rute Santos!”. Com apenas 17 anos, já gravou dois álbuns.

Entre os músicos está o brasileiro Manelito Marques, nome artístico de Manuel Marques Pereira, músico e professor de vários instrumentos.

Começou numa banda de rock, ainda no Brasil em 1969, e como o seu pai era maestro e português, ensinou-o a tocar guitarra portuguesa. Manelito veio para Portugal e aqui, conheceu o verdadeiro universo do fado. “Chamaram-me para tocar fado, eu era músico, fui tocar fado”, conta. “Agora é fado até ao fim!”.