Já cortou o “cordão umbilical” das influências literárias ou isso é impossível?

É impossível. Os cogumelos é que nascem de geração espontânea. Não somos cogumelos, participamos num texto que está a ser escrito há milénios, somos apenas umas vírgulas, uns pontos finais. Tudo radica em algo e eu tenho as minhas raízes.

Falando em raízes, tudo em si, desde o nome, está ligado a “mãe”. Até Saramago definiu o seu livro “o remorso de baltazar serapião” como “um parto da língua portuguesa”.

O que é de uma responsabilidade incrível. A energia humana mais intensa que se pode produzir tem a ver com a maternidade. Não há nenhum ser humano mais energizado, incansável e incondicional, que uma mãe perante o seu filho. A relação de uma mãe com um filho é de uma violência benigna tão grande que não há energia nenhuma que supere aquela energia maternal.

O grande desafio do artista será enlouquecer de tal modo alguém perante uma obra de arte que esse alguém se torne fanático pela obra como uma mãe é fanática pelos seus filhos. É utópico e absolutamente delirante, não há nenhuma obra de arte que mereça o amor que merece um filho.

Na sua autobiografia, diz que se não fosse a escrita era o teatro, a pintura, a música. Já experimentou todas essas artes?

Sim. Ciclicamente, fico farto de mim, preciso de sentir que fiz algo que nunca tinha feito. A participação no teatro, na performance, na música, tem a ver com um fascínio pelas artes, mas também com essa necessidade de me reciclar.

Ganhou o prémio José Saramago com “o remorso de baltazar serapião”. Como vê essa obra, em concreto?

Há pessoas que têm a ideia que é um romance histórico. Não é. O livro passa-se na Idade Média, como se poderia passar hoje ou daqui a 500 anos. Na Idade Média não se falava assim, é tudo inventado e ficcionado. Parece antigo, essa é a delícia de ter escrito o livro, é a vitória do romance. O livro quer mostrar que se pode brincar com a língua portuguesa. É um jogo, aquela linguagem é uma falsidade que tenta esconder-se no aspecto da cronologia, mas só engana quem não estiver atento.

É um livro “boschiano”. Aliás, a sua obra respira surrealismo. Aceita esta definição?

Sim. Bosch é das coisas mais brilhantes que caminharam à face do planeta. É um artista irreverente e extremamente actual, fez surrealismo séculos antes deste aparecer. Tem sentido de humor, é sarcástico. Nos meus livros isso entra tudo, se o baltazar tivesse uma imagem perfeita seria uma pintura de Bosch.

Além de Bosch, que outras influências artísticas tem?

Posso falar de alguns. Kafka dentro das letras: “A metamorfose” foi o primeiro livro pelo qual tive um deslumbre. Em Portugal, Fernando Pessoa, o “Livro do Desassossego”, ficamos trancados ali dentro.

No cinema, Ingmar Bergman, Manoel de Oliveira. O cinema talvez tenha sido a arte que mais entrou nos meus livros, a maior parte das vezes que saí de um bloqueio foi depois de ver um filme.