“Submeter um doente terminal a tratamentos desproporcionados e fúteis é má prática médica”, defende o director do Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB).

Rui Nunes apresentou esta terça-feira as linhas orientadoras que resultaram da “Conferência de Consenso sobre Suspensão de Tratamento em Doentes Terminais”, da passada sexta-feira, que juntou 250 peritos na FMUP.

O documento [PDF], que já foi enviado à Assembleia da República (AR), serve de “orientação ética e clínica para que os profissionais de saúde disponham de mais um instrumento que os auxilie nas complexas decisões no final da vida humana”.

Prioridades

“Esperamos que a AR venha a adoptar estas normas. A nosso ver, deviam ter alguma tradução jurídica”, disse o presidente da APB, em conferência de imprensa. Nunes espera, sobretudo, encontrar eco no Parlamento no que diz respeito ao testamento vital (um instrumento que permite aos doentes recusar, enquanto lúcidos, certas operações médicas em caso de perda de consciência, como ficar ligado a um ventilador) e à ordem de não reanimação após paragem cardíaca.

Defende que não faz sentido “submeter à reanimação, nos últimos momentos de vida, um doente que já passou por inúmeros tratamentos, só para se conseguir mais uns minutos”. Envolver o doente, sempre que possível, é, por isso, fundamental, sustenta.

As linhas de actuação propostas reconhecem, por isso, a legitimidade ética da “ordem de não-reanimar”, uma medida que, segundo Rui Nunes, “já se faz em Portugal, mas não como comportamento estandardizado – não existe um consenso entre instituições e entre profissionais”.

Adaptar à norma europeia

De acordo com o presidente da APB, estas normas não são nenhuma inovação, mas sim uma adaptação à realidade europeia. Em alguns países, já são aplicadas normas deste género há décadas. “Estas guidelines já deviam existir há anos e deviam ter sido apresentadas por organismos representativos da classe médica. Devia ser uma tarefa do Estado”, defendeu.

“Não falamos de eutanásia, mas sim de boa prática médica”, considerou. “É certo que, em muitos casos, a linha é cinzenta, mas as diferenças têm que ser balizadas”. Do que se trata é de suspender tratamentos fúteis e desnecessários, “intervenções claramente invasivas, tratamentos médicos ou cirúrgicos que visem promover a vida sem qualidade, ou mesmo a reanimação cardio-pulmonar”, esclarece o documento com as guidelines

Para além da AR, o documento resultante da discussão entre os especialistas foi enviado às ordens dos médicos e enfermeiros, a associações médicas, a todos os hospitais portugueses e comissões éticas.