Passaram pelo fanado, casaram muito cedo e as suas próprias filhas foram mutiladas. Hoje ensinam os netos a apagar o costume. Adja Manssata Djalo está neste momento a estudar numa escola islâmica. O que tinha decorado, está agora a aprender a interpretar. “Com 11 anos já tinha feito a quarta classe do Alcorão”, diz.

Adja conta parte da história da sua família. “A minha irmã mais velha só tinha um filho. Uma mulher disse que se o levasse para o fanado teria mais filhos. Acabaram por levar o miúdo, com 12 anos e ele ficou lá duas semanas. Ao fim de uma noite chegaram com a criança morta nos braços”. Hoje conta que ainda sente dor. No entanto, “quem não faz, não faz parte da sociedade”, por isso, “às vezes a vergonha obriga a fazer”.

Aissadut Baldé, prima do presidente da associação Uallado Folai Ibraima Baldé, diz que “há crianças que desmaiam, com o sangue, com a dor. As mulheres mais velhas muitas vezes obrigam, tapam a boca. Depois muitas não podem ter filhos”. “Quando uma pessoa vê a filha a chorar, chora também, mas o que pode fazer? Faz parte da cultura, mas é um grande sofrimento para as mulheres ver uma filha a esvair-se em sangue e não ter forma de parar”.

O próprio Ibraima Baldé deu o seu testemunho. “Eu fiquei mais sensível a esta situação quando, uma vez, saí daqui para levar a minha mãe à Guiné. Mas como não havia avião para Bissau, tive de ir pelo Senegal. No regresso levei também uma menina de 5 anos até à sua avó, na Gâmbia. Uma semana depois de chegar telefonam-me e dizem que aquela menina tinha morrido. Durante o fanado. Eu mesmo contribuí para a morte daquela menina, mas porque não sabia. Revolta-me ter contribuído inocentemente para a morte de uma menina”.

Ibraima demonstra a sua revolta, “É molestar uma mulher, é tirar-lhe uma coisa que ela é, para a tornar numa coisa que o homem quer que ela seja”, tudo isso “só porque ela é mulher”.

A diferença de géneros

Apesar de se chamar circuncisão feminina, não tem o mesmo fundamento que a circuncisão masculina. Esta é realizada por motivos de higiene, enquanto a feminina é por uma questão de crença e não está fundamentada pela medicina.

Mutilação genital “é um negócio”

Ibraima diz também que hoje em dia é tudo um “negócio”. “As pessoas que realizam o fanado são pessoas que têm tudo em casa. A minha irmã casou com uma pessoa que não é muçulmana. A filha, sem querer estava com umas pessoas que iam fazer o fanado. A minha irmã ficou tão aflita que pagou do seu bolso para resgatar a filha”. Ibraima diz que “é assim que as coisas funcionam”.

“A proibição na lei não é suficiente. É preciso falar com os chefes de tribo, com as mulheres mais velhas, que têm muita força nisso, convencê-los. Não se pode fazer bruscamente. Tem de ser aos poucos”, acautela o responsável. “Na Assembleia da República da Guiné também já está a ser discutida a proibição, mas houve dois grupos islâmicos que ameaçaram deputados”.

A associação Uallado Folai pretende fazer uma formação de jovens que serão enviados para a Guiné, para que expliquem a situação nas escolas e espalhem o conhecimento para ajudar a travar a mutilação genital feminina. No entanto, Ibraima tem consciência de que já não vai ser na sua geração, mas tem esperança que nas gerações vindouras este problema venha a diminuir bastante.