O Coliseu em suspenso tenta conter a ansiedade acumulada durante dez anos. É noite de regresso, de nostalgia, mas também de futuro. Esta espera, vocalizada por gritos que roçam a histeria, tem uma certeza. O Porto marca o início da digressão europeia dos Portishead e da primeira apresentação “oficial” de “Third”, o terceiro álbum de originais, com edição prevista para 28 de Abril.

As luzes baixam e ouve-se uma voz com sotaque brasileiro. É o mestre de cerimónias que recomenda atenção para a “regra dos três”. “O que você dá retornará para você. Essa lição você tem de aprender. Você só ganha o que você merece”. “Silence”, a primeira faixa de “Third”, cresce, a par e passo, e esta experiência torna-se quase religiosa. Uma voz gélida e gritante, aquele sopro de Bristol, rompe as expectativas. Eis Beth Gibbons e uma chuva de telemóveis e flashes recebe-a.

Respira-se, por fim, neste Coliseu do Porto repleto. Os olhos voltam-se para o ecrã tripartido que ilustra em tons de cinzento imagens de Gibbons, Geoff Barrow e Adrian Utley e dos três músicos que acompanham esta travessia. Segue-se a arrepiante “Hunter” para, à terceira música, se regressar a “Dummy”, o primeiro álbum da banda, datado de 1994. Um coro de vozes quase silencia Gibbons: “All for nothing, did you really want”. Ela sorri.

A primeira parte

A primeira parte ficou a cargo dos A Hack and Hacksaw, quarteto americano sediado na Hungria. Abriram as hostes com uma nova música dedicada à cidade do Porto, depois de incluírem no álbum “The Way the Wind Blows” uma faixa chamada “Oporto”. Entre jogos de trompete, acordeão, violino e clarinete trouxeram ao Coliseu melodias fortes de raízes ciganas durante cerca de 30 minutos.

A guitarra de Utley recorda canções de embalar. É “The Rip”, quarta faixa do novo álbum. De repente, um festival de ritmo, luz e voz tira o lugar à inocência cantada por Gibbons. “Glory Box” e “Numb” arrancam aplausos e confirmam o álbum de estreia da banda como um dos hinos da década de 90.

Depois de “Magic Doors”, começa um duo entre o baixo de Utley e a guitarra de Barrow com Gibbons sentada, ao centro. Os três em palco dão vida a um dos momentos mais íntimos da noite. “Wandering Star” arranca à vocalista um desabafo gritante de emoção. Um dos poucos momentos em que o grupo arriscou e se distanciou, um pouco, dos álbuns. A sala de espectáculos quase parecia ser um estúdio gigantesco, tal era a perfeição da interpretação, mas houve pouco lugar para a espontaneidade.

“Machine Gun”, single de apresentação do álbum, recorda o poder do contraste de uma aparente máquina industrial com a voz gélida de Bristol. É esta a mensagem que os novos Portishead querem passar: um ambiente negro com mais ritmo e menos melodia. De seguida, novo regresso à década de 90 com “Over”, “Sour Times”, com um feedback inicial algo atribulado, e “Only You” a recordar os loops e os samples tão característicos dos “primeiros” Portishead.

A figura negra e magra de Gibbons transforma-se em sombra e memória. Agora já sem o típico cigarro, mas ainda acompanhada pelo copo de água. Canta de olhos fechados e prefere olhar para a banda do que encarar o público. Ainda há coisas que nunca mudam. Antes do encore ainda houve tempo para “Nylon Smile” e “Cowboys”.

Com o regresso voltou o eco do anseio do público. Entre aplausos ouve-se o sussurrar de “Threads” com um apocalíptico final com Gibbons a gritar pelo cansaço e aborrecimento. A incontornável “Roads” garantiu a maior ovação da noite logo aos primeiros acordes. A despedida ficou a cargo da electrónica “We Carry On”, uma das faixas mais rítmicas do novo álbum, em que Gibbons aproveitou para descer até ao fosso para cumprimentar o público.