O caso de indisciplina na Escola Secundária Carolina Michaëlis, no Porto, veio levantar dúvidas sobre a capacidade dos professores em lidar com situações semelhantes.

“O ritmo de mudança social é muito grande e os docentes têm que se actualizar ao longo do tempo. Além disso, para lidar com pessoas é necessária uma formação específica e continuada”, refere ao JPN Júlio Pereira, coordenador do mestrado em Intervenção Comunitária da Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti (ESEPF).

Para quem já está no activo, a solução passa pela frequência, já de si obrigatória, de acções de formação. Herdada do antigo estatuto da carreira de docente, a formação contínua de docentes continua a fazer parte do novo processo de avaliação dos professores.

De dois em dois anos, os docentes têm que fazer, no mínimo, 50 horas de acções de formação, o que equivale a duas unidades de crédito. Cada professor tem que fazer dois terços da respectiva formação na sua área de docência.

Em função dos horários da formação contínua, esta imposição leva a que muitos professores façam mais horas do que o mínimo exigido pelo Ministério da Educação (ME), chegando a trabalhar ao sábado. José Manuel Costa, da Fenprof, explicou ao JPN que “se um professor fizer uma acção que está fora da área específica de docência e se depois fizer uma outra, também de 25 horas, na sua área, o docente não terá os dois terços na área específica, mas apenas metade.”. Desta forma, os professores fazem 75 horas de acções de formação, em vez de 50 horas.

“Tal vai levar, indirectamente, a que os professores procurem sobretudo formação na sua área específica”, acrescenta o sindicalista. Fica, assim, muitas vezes, de fora a formação em áreas mais gerais, nomeadamente o controlo de indisciplina.

A par da área de docência, cada professor pode fazer acções de formação sobre várias temáticas, nomeadamente avaliação dos alunos, direcção de turma, cidadania, respeito pelo ambiente e pelo património. Para o Ministério da Educação informática e bibliotecas escolares são as áreas prioritárias de formação dos docentes este ano lectivo.

Formação contínua não é suficiente

Maria Teresa Vasconcelos, docente de matemática e ciências no 2º ciclo, considera as acções de formação essenciais para que os docentes possam evoluir na forma de lidar com os mais novos. “Uma formação é essencial para analisarmos o nosso trabalho e, a partir daí, o renovarmos, em função da qualidade do ensino e da maneira como lidamos com os alunos, porque eles estão sempre a mudar”, diz.

Contudo, algumas vezes, os conteúdos adquiridos nas acções de formação não são suficientes, segundo Alzira Duarte, professora de Educação Moral, Religiosa e Católica.

“Depois das acções de formação, chegamos aqui, aplicamos na prática, só que não há feedback. Os alunos continuam na mesma por mais técnicas que nós utilizemos. Há todo um trabalho que tinha que ser feito por trás, nomeadamente em casa”, diz.

“A formação contínua não pode ser resposta para tudo”, refere José Manuel Costa, apesar de considerar as acções de formação cuja temática incida sobre a indisciplina importantes. “Para quem entra no sistema, cremos que na própria formação inicial, nos cursos vocacionados para a docência, estas matérias deveriam ser também abordadas, porque a generalidade dos professores no activo não teve formação especifica para tal, nomeadamente em gestão de disciplina, em gestão de conflitos”.

É preciso um “carácter forte”

Licenciaturas e mestrados (obrigatórios na candidatura de docentes a partir de 2009/2010) trazem, cada vez mais, uma formação teórica e prática aos seus alunos, permitindo-lhes uma formação em áreas como a psicologia e a pedagógica e um estágio numa instituição de ensino.

“À partida, os alunos têm a formação necessária não só para conhecer as crianças com quem vão trabalhar, mas também para estabelecer relações com os alunos”, diz Maria Martins, coordenadora da licenciatura de educação básica da ESEPF. Contudo, diz, um docente deve ter igualmente um carácter forte e uma grande capacidade psicológica.

“É necessária uma formação básica, mas também saberes práticos que permitam aos docentes conhecer as realidades e serem resposta como agentes sociais importantes”, acrescenta Júlio Pereira, coordenador do mestrado em Intervenção Comunitária, da ESEPF.