O professor universitário, linguista e investigador, João Malaca Casteleiro, é um dos principais rostos da defesa da implementação do Acordo Ortográfica no mundo lusófono.
Cláudio Moreno foi professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Brasil. Actualmente, é responsável pela área de Língua Portuguesa do Sistema Unificado de Ensino e colunista da revista “Mundo Estranho” e do jornal “Zero Hora”. O autor brasileiro, com várias obras publicadas sobre língua portuguesa, considera que a entrada em vigor do acordo é “absurda” e “não tem sentido”.
Em entrevista ao JPN, os dois professores expõem os seus pontos de vista e enunciam argumentos favoráveis e desfavoráveis à aplicação prática do acordo. Para o professor João Malaca Casteleiro, a aprovação portuguesa significa que “finalmente se compreendeu que é importante apresentar uma ortografia, tanto quanto possível, unificada para a língua portuguesa”.
“Até agora, nas instituições universitárias estrangeiras onde se aprende o português, nas organizações internacionais onde o português é língua de trabalho, há sempre que escolher entre duas ortografias: a portuguesa e a brasileira. A partir do momento em que este acordo entra em vigor passamos a ter uma ortografia unificada, o que é muito importante para a promoção da língua portuguesa no mundo e para a coesão da lusofonia”, assegura o investigador.
Cláudio Moreno não concorda com Malaca Casteleiro e garante que o acordo “não vai aproximar mais os dois países” nem, tão pouco, tornar a ortografia “mais simples e confortável”.
O professor recorre, mesmo, a uma metáfora para ilustrar a sua visão do acordo: “o Brasil e Portugal, em termos de ortografia, são como duas naves navegando paralelamente a uns 20 metros uma da outra. Uma enxerga a outra, há acenos de uma para a outra e a gente vai navegando a mesma rota, mas em naves paralelas. Esta reforma vai aproximar-nos de 20 para 18 metros. Assim, as duas naves vão continuar a navegar paralelas, mas agora a 18 metros de distância. Ganhar esses dois metros não vale todo o esforço, todo o gasto, que é gigantesco e toda a despesa dos países para mudar a ortografia”.
Diferenças luso-brasileiras e dupla grafia
A uniformização gráfica proposta por este acordo não é total, persistem acentuadas diferenças formais e conceptuais no modo como os dois países usam a língua. Como refere o autor brasileiro, “mesmo que fossem superadas as diferenças toleradas pelo acordo, mesmo que por um ‘milagre do espírito santo’, a ortografia fosse toda igual, o vocabulário não é igual, as construções sintácticas não são iguais e não vai ser possível mudar isso”.
Malaca Casteleiro reconhece que a ortografia, actualmente vigente, engloba aquilo a que se pode chamar “a norma culta ‘luso-afro-asiática’ e, por outro lado, a norma culta ‘luso-brasileira'”. Uma situação que justifica com uma “guerra de ortografia que se arrasta há quase um século” e que gerou “diferenças dos dois lados do Atlântico que já são intransponíveis”. Contudo, salienta que, apesar da dupla grafia, “não há problema quanto a essas pequenas diferenças”.
Cláudio Moreno contra-argumenta que o objectivo principal deste acordo já falhou a priori. “A intenção do acordo é que todo o mundo escreva da mesma forma, mas com este acordo isso não vai acontecer”.
O professor brasileiro recorre, mais uma vez, ao uso da metáfora para explicar a sua análise enquanto técnico: “este acordo dá a impressão que, talvez tenha saído de uma base científica, mas com tantos anos de discussão, tornou-se, como chamamos no Brasil, ‘uma panela onde todo o mundo mexe’: ficou uma confusão, parece que tem concessões políticas e demagógicas e, como tal, não vai funcionar na vida real”.
“Se uma ortografia não funcionar, o povo rejeita”
Um dos maiores obstáculos a ultrapassar pelos defensores do acordo são as barreiras dos mais resistentes e inflexíveis.
O investigador e linguista português reconhece que “fazer uma reforma ortográfica é sempre uma questão polémica, qualquer que seja a alteração que se faça”, isto porque, norma geral, “os adultos reagem mal à mudança”, uma vez que “têm memorizadas as imagens gráficas das palavras e mudar essa imagem obriga-os a um esforço suplementar”. Mas Malaca Casteleiro não vê esta barreira como “intransponível”.
Uma opinião diferente tem Cláudio Moreno. O professor, a quem a vasta experiência de “sala de aula” deu outra perspectiva da realidade, defende que “a ortografia é um problema sério de adesão” e funciona como uma “lei intelectual e não uma lei de direito penal”.
Deste modo, acredita que “se as comunidades aderirem mesmo, há reforma ortográfica. Agora, se os governos aprovarem, se o protocolo estipular uma data, não é isso que vai funcionar em termos de ortografia”.