A discussão em torno do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa tem, desde que Portugal anunciou a intenção de aprovar o Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico, suscitado a intervenção de várias figuras públicas, desde linguistas, políticos a catedráticos ou editores. A questão da identidade cultural de cada país e o sentimento de união lusófona são temas que inquietam os especialistas que mais se envolvem no debate da nova ortografia.

Pedro Mexia, escritor e crítico literário, escreveu, recentemente, no seu blogue que não é “adepto deste Acordo Ortográfico”, mas reconhece as possíveis “vantagens culturais e comerciais”.

A principal crítica do escritor recai sobre o “critério fonético”. “Se é um acordo ortográfico, que apenas modifica a língua escrita, não me parece sensato que a ortografia siga sempre o critério do português falado. A fonética do português varia de país para país e de região para região”. Pedro Mexia acrescenta, ainda, que a adopção do critério fonético se faz “à custa do elemento etimológico que contém uma explicação histórica e um lastro cultural” de uma língua.

Todavia, o professor João Malaca Casteleiro assegura que “as reformas ortográficas nada têm a ver com a oralidade”, o que permite a cada falante continuar a “dispor da sua liberdade de expressão”. As alterações são “do ponto de vista gráfico, da representação gráfica da língua”, garantiu o investigador, em declarações ao JPN.

Pedro Mexia defende, mesmo assim, que “a língua, enquanto legado, vive nos textos, e acima de tudo na grande literatura”. “Nunca falámos com Camões ou Camilo, mas lemos o português que eles escreviam. É o português escrito que dá identidade à língua portuguesa. Alterar o modo como escrevemos a partir do modo como falamos é uma ideia muito discutível”.

Um ponto de vista também partilhado pelo professor brasileiro Cláudio Moreno, que disse ao JPN que a união cultural está muito além da ortografia que cada povo usa no quotidiano. “A língua é o sentimento da língua, é a palavra, são as expressões, é o que Camões e Machado de Assis escreveram, e isso não se vai desmanchar nunca”.

“O que foi vendido, e que me deixa assustado, é a ideia de que essa fictícia unificação ortográfica uniria mais os dois países e é claro que não é isso. É a cultura, não é a maneira como se escreve. No momento que passarmos a escrever da mesma forma, isso vai aumentar qualquer vínculo entre nós? Claro que não”, sublinha o professor.

Escritores africanos reflectem antagonismo do acordo

Autores de sucesso e de reconhecido valor no mundo da lusofonia como Mia Couto e José Eduardo Agualusa não têm uma posição consensual face à ratificação do acordo ou a qual ortografia deveria ser adoptada.

Agualusa expressou, numa das suas crónicas no semanário angolano “A Capital”, que “Angola deveria optar pela ortografia brasileira” caso o Acordo Ortográfico não venha a ser aplicado. O autor angolano defende que o país é independente, não tem obrigações para com Portugal e que o Brasil, com cerca de 180 milhões de habitantes e maior produção literária, trata temáticas que se identificam com Angola e que constituem uma mais-valia.

Para o escritor, “Angola tem mais a ganhar com a existência de uma ortografia única do que Portugal ou o Brasil” e responsabiliza Portugal pelo facto de o acordo não se desenvolver, devido a um “enraizado sentimento imperial”.

Por outro lado, Mia Couto afirma que o “Acordo Ortográfico não é necessário”. De acordo com a Lusa, o autor de nacionalidade moçambicana justifica a sua opinião alegando que “o acordo ortográfico tem tanta excepção, omissão e casos especiais que não traz qualquer mudança efectiva”.

Na opinião do professor João Malaca Casteleiro, as posições dos autores africanos justificam-se porque “os autores, em geral, não gostam que se toque na língua, mesmo que seja nos aspectos meramente gráficos, como é o caso”. No entanto, não crê que essas vozes sejam “suficientes para impedir a marcha” de um processo que, neste momento, considera “imparável”.