Encontrar uma ortografia que possa ser aceite e partilhada por todos os países lusófonos é uma meta que há muito se pretende alcançar no seio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

A primeira grande reforma da língua aconteceu em 1911 e, já nessa altura, em Portugal e no Brasil se manifestaram vozes contra e a favor. Em 1945, voltaram a juntar-se linguistas portugueses e brasileiros para assinar um Acordo Ortográfico. Após a recusa do Brasil em fazer algumas cedências, o acordo dissolveu-se e passou a ser apenas uma norma ortográfica em vigor para Portugal.

Quase meio século depois, linguistas ilustres de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, e São Tomé e Príncipe propuseram uma nova uniformização gráfica da língua portuguesa que culminou com a assinatura do Acordo Ortográfico de 1990. No entanto, apenas os parlamentos de Portugal, Brasil e Cabo Verde ratificaram o acordo, sendo que, para entrar em vigor na data prevista (1994), eram necessárias as ratificações de todos os países membros da CPLP.

Tal não aconteceu e, em 1998,em Cabo Verde, foi redigido um Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. O protocolo apenas alterou a data de entrada em vigor prevista no documento inicial, mas não alterou o facto de serem necessárias todas as assinaturas dos países da CPLP. Só Portugal, Brasil e Cabo Verde voltaram a ratificar.

Em 2004, em S. Tomé e Príncipe, mediante as alterações políticas vividas na altura, os chefes de Estado e de governo da CPLP elaboraram e aprovaram um Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Este documento deu permissão à adesão de Timor-Leste (cuja independência foi reconhecida à época) e prescindiu da totalidade de assinaturas para entrar em vigor. A nova cláusula exigia apenas a ratificação de três Estados-membros.

O Brasil ratificou o protocolo ainda em 2004. No ano seguinte foi a vez de Cabo Verde e, em 2006, S. Tomé e Príncipe assinou o segundo protocolo modificativo. Na prática, estavam reunidas todas as condições para que as novas normas passassem a vigorar em toda a CPLP. Contudo, a ausência da assinatura portuguesa tornou inviável a conclusão do processo.

“Incapacidade técnica” e “resistência à mudança” adiaram ratificação portuguesa

Durante os anos em que Portugal tem adiado a ratificação do Acordo Ortográfico, várias foram as figuras públicas e especialistas nesta matéria que tornaram públicos os argumentos com que defendem ou se opõem à postura do Estado português.

D’Silvas Filho, escritor, membro do Conselho Científico da Sociedade da Língua Portuguesa, membro do Conselho Consultivo de Ciberdúvidas, referiu, neste espaço digital, que tem havido “pouca vontade política” dos governantes portugueses para assinar a ratificação do acordo.

O autor admite que “as pessoas conservadoras oferecem sempre as maiores dificuldades às mudanças na língua, com o receio de não saberem escrever depois” e que esta mentalidade domina na realidade do país.

A “incapacidade técnica” da Academia das Ciências de Lisboa, que tardou procedimentos fundamentais como a elaboração de um vocabulário comum antes da entrada em vigor do acordo em 1994, é um dos exemplos que denota marcas de alguma inércia portuguesa.

17 anos após a elaboração do acordo e depois de a ex-ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, agendar a ratificação portuguesa para 2007 e a adiar, mais uma vez, para este ano, o Conselho de Ministros aprovou a ratificação do acordo em Março.

Pinto Ribeiro incentiva política de adesão dos PALOP

O ministro José António Pinto Ribeiro, que sucedeu a Isabel Pires de Lima no ministério da Cultura, tem demonstrado um interesse activo na rápida implementação do acordo, tanto em Portugal como nos restantes países lusófonos que ainda não o ratificaram.

O ministro defende, no entanto, que o acordo deve avançar sem “rupturas desnecessárias”. “As consequências da aplicação serão devidamente acauteladas também no seio do mercado editorial” e, quanto aos escritores, “não há nenhuma limitação à liberdade criativa” podendo estes optar pela “ortografia que entenderem”, adiantou à Lusa no final do debate na Assembleia da República.

Em Março, Pinto Ribeiro acompanhou o Presidente da República, Cavaco Silva, numa visita oficial a Moçambique, onde referiu não haver impedimentos à ratificação do Acordo Ortográfico nos países lusófonos.

Na cidade de Maputo, o ministro garantiu, em declarações à Lusa, que “não há nenhum obstáculo nem nenhuma razão política que leve à não ratificação”. “Há apenas razões administrativas. O que haverá que fazer é um processo de ratificação do acordo. É um processo constitucional que demorará o tempo que demorar”, afirmou.

O presidente moçambicano, Armando Guebuza, ouviu as palavras de Pinto Ribeiro e não contrariou as expectativas do ministro português, mas também não agendou uma data definitiva para a ratificação. “Moçambique está a analisar o acordo ortográfico e, como é óbvio, um dia vai assiná-lo”, disse à agência portuguesa.