Foi lida esta segunda-feira no Tribunal São João Novo, no Porto, a sentença de Vítor S., arguido do caso Gisberta. O jovem, agora com 18 anos, foi condenado a oito meses de prisão, mas pode solicitar o recurso a pena domiciliária.

O tribunal não conseguiu provar que Vítor S. “tenha agredido fisicamente a vítima” e absolveu-o dos crimes por “ofensas corporais”. O jovem não foi também julgado como co-autor ou cúmplice do crime, uma vez que o tribunal considerou que a sua acção não foi “determinante” para o desenrolar das agressões.

O juiz João Grilo criticou a “memória selectiva” dos restantes menores, que, nos seus depoimentos, afirmaram não se recordar de terem visto o arguido a agredir Gisberta. Contudo, o jovem foi condenado por omissão de auxílio, crime em que tem “culpas altíssimas”, uma vez que “assistiu a tudo, viu o estado agónico da vítima durante dias e nada fez para a socorrer”.

Na leitura do acórdão, o magistrado declarou que o caso “não foi um acidente. Foi uma agressão selvática e desumana, a que [Vítor S.] assistiu e permitiu que acontecesse”.

Em depoimentos anteriores, o jovem alegou que se absteve de chamar uma ambulância porque era difícil ter acesso ao local e por medo de que o culpassem.

A pena poderia ir até um ano, mas o tribunal teve em consideração o facto do arguido não ter antecedentes. Assumiu também que “o pagamento de multa não se adequa a este caso”. Aos oito meses de condenação serão descontados dois meses e cinco dias, correspondentes ao período em que o arguido esteve em prisão preventiva.

“Em princípio vamos recorrer”

No final da sessão, a advogada de Vítor S. afirmou que “em princípio” iria recorrer da sentença, mas que isso “depende” do jovem. Caso não optem pelo recurso, Patrícia Castiajo vai pedir pena domiciliária.

A advogada mostrou-se indignada com a condenação e declarou que “não se percebe como é possível determinar uma prisão de oito meses a um dos menores, que foi o único que não bateu”. “Só porque o tribunal não acredita em tudo o que as outras testemunhas vieram aqui dizer”, referiu.

“Alguém tinha de pagar, e infelizmente o Vítor era o único imputável”, acrescentou a advogada, que criticou o tribunal por querer “à força toda” condenar em pena de prisão efectiva, mesmo quando “não conseguiu provar as ofensas à integridade física”.

Pena superior ao que o MP pedira

O Ministério Público tinha pedido uma sentença de meio ano de pena suspensa, em que o arguido prestaria trabalho comunitário numa instituição de apoio aos sem-abrigo. Patrícia Castiajo considera que essa pena “seria suficiente”. Contudo, o tribunal rejeitou a suspensão, por considerar que “os factos são demasiado graves”, a que se soma “o pouco arrependimento” do jovem.

Na data do crime, Vítor tinha 16 anos e era o mais velho do grupo de 13 rapazes adolescentes, que já foram condenados a penas entre os 11 e os 13 meses de internamento em centros educativos.

Gisberta Salce Júnior era uma transsexual de nacionalidade brasileira. Depois de dias de maus-tratos continuados, a sem-abrigo e seropositiva foi lançado num poço pelos menores, em Porto, em Fevereiro de 2006. O seu caso originou um filme e foi evocado em várias acções de luta do movimento Lésbico, Gay, Bissexual e Transgénero (LGBT).