Apesar de actualmente se chamar Museu Militar do Porto, o arame farpado em volta dele e as memórias de quem viveu a parte mais aterradora da ditadura do Estado Novo não esquecem que naquele lugar estiveram presos mais de 50 mil pessoas, torturadas e humilhadas às mãos da extinta PIDE.

Entre celas, salas de interrogatório e de espera e os chamados “armazéns colectivos” (onde ficavam detidas, juntas, sete ou oito pessoas) a visita guiada às antigas instalações da PIDE do Porto, este sábado, organizada pelo movimento “Não apaguem a memória”, recupera memórias amargas. “Para mim é sempre doloroso vir e falar”, disse Pedro Baptista, ex-preso político.

A tortura da PIDE

A visita foi guiada por “Pisco”, nome pelo qual é tratado desde os tempos do Estado Novo. Com uma explicação breve e emotiva, o antigo preso explicou como tinha sido submetido às torturas do sono e da estátua, agredido física e psicologicamente e isolado em celas “imundas, onde até existiam percevejos”.

“Pisco” conta que os únicos momentos em que podia conviver era quando o fechavam nos chamados armazéns, ou celas colectivas. “Durante o dia fazíamos preparação física para aguentar a tortura. À noite, cantávamos”, disse. O ex-preso político conta também que se mantinha entretido, na sua cela, a espreitar pela janela para tentar ver a rua. “Procurávamos ver cores, um amarelo, um vermelho, um verde. As janelas estavam tapadas com redes muito cerradas, não dava para ver as pessoas”, contou “Pisco”.

Vindo do Barreiro, Álvaro Monteiro também quis marcar presença nesta celebração. O antigo preso político contou ao JPN que ficou detido no Porto numa tentativa da PIDE de o isolar de um meio onde tinha grande apoio. “Nesse mesmo dia em que vim para cá, houve uma grande manifestação no Barreiro. Trazer-nos para aqui era uma tentativa de nos fragilizar para obter confissões”, disse Álvaro Monteiro.

“Se não tivesse sido preso político, não seria o homem que sou hoje”. São palavras de Estaline Rodrigues, nome pelo qual é tratado pelos outros “camaradas”. Esta foi a primeira vez que o antigo preso político, também do Barreiro, voltou ao local onde esteve preso durante a ditadura. “Estou muito emocionado por estar aqui”, disse.

Estaline Rodrigues protagonizou um dos discursos mais emotivos da tarde com os seus relatos das torturas feitas pela PIDE. “Há quem pense que a tortura da PIDE era levar dois estalos, mas não era”, disse.

Trazido algemado do Barreiro para o Porto, numa carrinha que tinha um buraco para os presos fazerem as necessidades, foi diversas vezes interrogado no Porto. “Uma vez disseram-me: ‘só sais daqui se falares, ou morto’. Levaram-me para perto da janela, apontaram para o cemitério e disseram-me que era para ali que ia”, contou.

Tentativas de suicídio e fuga

Junto das escadas que levavam à sala de interrogatórios principal, “Pisco” contou como eram comuns as tentativas de suicídio por parte dos presos. “Eu próprio pensei em atirar-me das escadas abaixo, muitos pensaram nisso. Acho que ninguém se suicidou, mas houve várias tentativas”.

As tentativas de fuga eram outra constante, conta José Castro. Ao todo, 64 presos conseguiram fugir da PIDE do Porto, entre os quais está a fuga emblemática de Palma Inácio, nos anos 70, que conseguiu saltar o muro.

“Pisco” foi um dos últimos três presos políticos a ser libertado, a 25 de Abril de 1974. O antigo preso político conta que começou a ouvir muito barulho na rua, mas que a PIDE tentou despistá-lo. “Comecei a sentir cheiro a queimado e perguntei o que era. Disseram-me para não me preocupar porque estavam a fazer um churrasco. Só depois é que percebi que estavam a queimar documentos importantes, para não serem descobertos”, disse.

Reavivar a memória do 25 de Abril

Segundo o movimento “Não apaguem a memória” mais de 50 mil pessoas estiveram detidas nas instalações da PIDE do Porto, 80 das quais terão morrido lá dentro. Como disse José Castro ao JPN, “a PIDE tinha um serviço de informações muito operativo”, estimando-se que a rede de informadores contasse com cerca de 60 mil pessoas.

Durante todo o encontro os elementos do movimento cívico alertaram para a necessidade e importância destes testemunhos, principalmente para os mais jovens compreenderem as atrocidades cometidas pela PIDE durante a ditadura salazarista. “Acho que todos nós conseguimos imaginar a brutalidade que acontecia neste local”, disse José Castro.