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É entre o contraste da vista privilegiada para o Douro e a imagem desoladora de dezenas de casas em ruínas, que os habitantes da escarpa das Fontainhas, no Porto, relembram um dia de tristeza.
As chuvas do Inverno de 2000 ditaram o aluimento de terras, seguido da derrocada do muro de suporte do Bairro da Tapada, obrigando ao realojamento de cerca de 50 famílias. Aproximadamente 30 famílias convivem ainda hoje com o que sobra das casas devolutas. “Foi uma desilusão muito grande. Nós éramos aqui uma família autêntica”, desabafa uma das actuais moradoras, que preferiu não se identificar.
Um muro com um pequeno portão fechado à chave separa as casas habitadas dos escombros cobertos por uma extensa vegetação. Foi construído por dois moradores, com o objectivo de impedir a passagem de toxicodependentes, que passavam pelo meio das habitações e se refugiavam nas ruínas.
“Só se importam quando nós cairmos ao rio Douro”, diz um morador
Do lado habitado do Bairro da Tapada, algumas casas demonstram sinais de debilidade. A mesma moradora diz sentir-se segura em casa, apontando outras habitações “que não estão em condições”. A habitante conta o exemplo de uma casa onde, há alguns dias, a chuva “era tanta que parecia que estava a cair directamente”.
Mais à frente, acaba por confessar que as obras de construção de novas habitações, a decorrer neste momento no cimo da escarpa, podem originar “qualquer coisa, a qualquer momento”. “Quando andaram ali a tirar as rochas a minha casa tremia toda”, revela.
“Só se importam quando nós cairmos ao rio Douro”
Tiago Castro, morador do Bairro da Tapada há cerca de 20 anos, acredita que a escarpa é segura, pelo menos do lado onde há habitantes, pois estão “em cima de rocha”.
Já os olhos de um outro morador, que optou por não se identificar, espelham revolta. Compara a escarpa das Fontainhas à da Serra do Pilar, do outro lado do rio, onde estão a ser feitos trabalhos de minimização de riscos. Para o habitante, as Fontainhas encerram um perigo acrescido. “Só se importam quando nós cairmos ao rio Douro”, desabafa.
“Enquanto for vivo não quero sair daqui”
Mais abaixo, fica o Bairro Maria Victorina, onde vive António Silva. Com 86 anos, mora na escarpa desde que casou. A esposa, de 74 anos, nasceu nas Fontainhas. António Silva diz que as casas “são muito seguras”. “Enquanto for vivo não quero sair daqui”, afirma.
O morador considera que os habitantes das Fontainhas, em geral, sentem-se seguros e conta que as pessoas que foram realojadas têm pena de terem saído da escarpa. Por outro lado, António Silva lembra que as rendas das Fontainhas são pequenas (algumas são inferiores a 20 euros) e que algumas pessoas não compreendem que o valor que pagam não é suficiente para os proprietários das casas fazerem obras.
João Guimarães também vive nas Fontainhas, mas a distância que o separa das casas em ruínas dá-lhe algum descanso. Considera a escarpa segura, o que não o impede de afirmar que “esta é a parte esquecida da Sé”. O morador chama a atenção para o facto de ainda não ter sido encontrada uma solução para as ruínas das casas desabitadas há mais de sete anos. “Ninguém olha para aquilo; ninguém quer saber de nada. Toda a gente promete tudo”, diz.
Habitações com 150 anos
Segundo Maria de Fátima Birra, uma das proprietárias das habitações do Bairro da Tapada, todas as casas foram construídas há cerca de século e meio, pelos avós do falecido marido. Na altura da derrocada, “nenhuma casa caiu”, diz, e que o estado actual das habitações se deve às intempéries. “O mal foi realmente a encosta, que há imensos anos que estavam sempre a dizer que iam arranjar e nunca se arranjou”, acusa.
Maria de Fátima Birra conta ainda que “passado uns meses [da derrocada], sem dizerem nada aos senhorios, foram lá [pessoas] da câmara e puseram os telhados todos abaixo” para que ninguém habitasse as casas.
Rendas “baratíssimas”
A senhoria considera que a encosta “precisava de ser mais monitorizada”, mas não compreende que alguns moradores possam ter receio de morar nas Fontainhas. Diz que “há sempre” gente interessada em morar no Bairro da Tapada, porque as casas ficam no centro da cidade, as rendas são “baratíssimas” e “as famílias ajudam-se umas às outras”.
São os poucos pontos positivos de habitações de reduzidas dimensões, onde a palavra casa-de-banho é desconhecida (no Bairro da Tapada, há semelhança de outros bairros, existem apenas sanitários exteriores, comuns a todos os moradores). Uma realidade “esquecida” em pleno centro histórico, classificado pela UNESCO como Património Cultural da Humanidade.