Há 40 anos, um desejo de mudança tomou de assalto as ruas de Paris. Durante cerca de um mês, a sociedade francesa acolheu um movimento social que se iniciou nas universidades. Nas ruas, os estudantes gritavam pela liberdade e poder de intervenção. Mais tarde, também o operariado daria voz às exigências do movimento, o que originou uma greve geral que paralisou o país e assustou o governo de Charles de Gaulle.

O artista plástico Vasco de Castro foi um dos milhares de portugueses que assistiu ao desenrolar dos acontecimentos. “Por razões óbvias” (o Estado Novo), partiu para Paris, em 1961, com 25 anos – “muito velho”, considera.

“O Maio de 68 rompeu de súbito e apanhou todos de surpresa. Ainda que, em retrospectiva, é fácil de ver que havia pequenos focos em vários países que anunciam algo. Havia um borbulhar anti-sistema”, acredita o cartunista.

Analisando o contexto internacional, percebe-se que acontecimentos como o assassínio de Martin Luther King, em plena luta pelos direitos cívicos dos negros, ou as manifestações contra a guerra do Vietname podem ter inspirado os ideais do movimento de 68, que, por sua vez, influenciaram os estudantes portugueses em 1969.

“A situação estava favorável para algo explodir como um vulcão. E foi por um motivo mínimo que aconteceu”, diz Vasco de Castro, ao referir-se à crise na Universidade de Nanterre, que antecedeu o Maio de 68. A 22 de Março, oito estudantes ocuparam o edifício da administração da universidade, exigindo maior liberdade sexual. Um deles era Daniel Cohn-Bendit, o porta-voz do Maio de 68.

“Aguentem camaradas!”

Fernando Pereira Marques, na altura estudante de sociologia em exílio político, assistiu ao deflagrar do Maio de 68 na Universidade de Sorbonne. Estava lá “por acaso”, acrescenta o actual professor universitário.

“A 3 de Maio estava previsto um comício na Sorbonne. Um movimento de extrema-direita, o Ocidente, tinha ameaçado impedi-lo. Gerou-se um clima de grande tensão. O reitor Roche precipitou-se e chamou a polícia [para intervir na Sorbonne]. Centenas de estudantes foram presos, incluindo eu”, recorda Fernando Pereira Marques.

O sociólogo salienta que foram essas prisões que acenderam “o rastilho” do Maio de 68. É, no entanto, desse dia que guarda a recordação mais marcante dos tempos de jovem activista.

“Nós éramos muitos e não cabíamos todos numa viatura da polícia. Então, tínhamos de esperar pelos autocarros para irmos para a esquadra. Havia polícias a cercarem-nos, à frente, atrás, de lado… Nisto, próximo das fileiras da polícia, passam vários jovens a correr e atiram-nos cigarros, enquanto gritam ‘Aguentem camaradas!’. Era este o espírito de solidariedade”, conta.

“Estas prisões provocaram um grande impacto junto dos outros estudantes e da população. Depois, a polícia ocupou a universidade, as aulas foram suspensas, os estudantes vieram para a rua, ocuparam a Sorbonne e tudo ganhou um carácter mais amplo com a solidariedade do movimento operário”, explica o professor universitário.

“Nunca pensei que ganhasse aquela dimensão. Só um bruxo podia ter pensado isso”, sublinha Fernando Pereira Marques. A mesma opinião é partilhada por Vasco de Castro: “Ficou tudo com os cabelos em pé. O governo não podia controlar e a França paralisou durante três semanas com dez milhões de trabalhadores em greve”.

O lado violento do Maio de 68

A escritora Teresa Rita Lopes, também exilada, assistiu a tudo “na retaguarda”. Diz que na altura “a palavra ideal tinha mais sentido”. A antiga estudante de doutoramento na Sorbonne surpreendia-se com a “força que aqueles movimentos tinham”.

“Assisti ao ‘desempedramento’ de uma rua num abrir e fechar de olhos, ao arrancar de árvores… Começou com um punhado de jovens com ideais, mas depois aqueles movimentos foram engrossados por arruaceiros. Lembro-me de me insurgir contra o incêndio numa livraria em Saint Michel”, lembra Teresa Rita Lopes.

Fernando Pereira Lopes vai mais longe ao afirmar que a polícia era um “um actor de grande violência”. “A polícia andava com granadas que não eram mortais, mas feriam. Quando se tem 20 anos pensamos que só morremos se o céu cair na cabeça. Mas nós sentíamos que aquilo era a sério”, adianta o antigo activista, membro do Comité de Ligação Trabalhadores-Estudantes português.

A escritora acredita que, no entanto, a herança do Maio de 68 continua e que mudou as relações entre professores e alunos. “Os alunos tratavam por tu os professores que gostavam. Guardo boas recordações”, afirma Teresa Rita Lopes, referindo-se à actividade de docência que exerceu na Sorbonne a partir de 1969.