Cerca de 700 pessoas marcharam pela legalização da marijuana, no sábado pelas ruas do Porto, no âmbito da Marcha Global da Marijuana (MGM). Por todo o mundo, 222 cidades juntaram-se a esta iniciativa, incluindo Lisboa, Coimbra e Porto, que recebeu a marcha pela segunda vez.

Os participantes manifestaram-se a favor da liberdade e da possibilidade de fazer “uma escolha individual”, explica Catarina Alves, da organização da MGM Porto. A lei portuguesa descriminalizou o consumo de marijuana ou cannabis em 2000, continuando este a ser penalizado. Por outro lado, o tráfico e a posse de marijuana continua a ser crime punível por lei, o que é “um pouco hipócrita”, afirma Catarina Alves, já que “se parte do princípio que se pode consumir, mas faz-se de conta que não se sabe que se compra”.

Uso medicinal “não é imprescindível”, diz IDT

Um dos motivos para defender a legalização da cannabis é o seu uso medicinal. De acordo com o presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), João Goulão, a utilização de marijuana tem “alguns benefícios envolvidos, nomeadamente contrariar vómitos causados pela terapia citostática [quimioterapia], o alívio de sintomas de esclerose múltipla e o aumento do apetite”. Contudo, a substância que provém da marijuana, o THC, “não é imprescindível” no tratamento destas condições, já que existem outras alternativas, sublinha Goulão.

Para além disso, o uso de cannabis tem várias consequências, já que pode conduzir à dependência e pode causar “síndrome amotivacional”, isto é, um conjunto de sintomas como a passividade, o isolamento e o défice de atenção. “Em alguns casos, em personalidades predispostas, pode causar patologias mentais como a esquizofrenia”, acrescenta o presidente do IDT.

João Goulão refere ainda que existem alguns “mitos” associados com o consumo de marijuana, como a ideia de que o uso da substância é menos prejudicial do que fumar tabaco. Goulão afirma que o consumo de cannabis tem “maior potencial cancerígeno”, na medida em que costuma ser fumada sem filtro, “com inalação profunda e retenção” superior à usual na utilização do tabaco.

O presidente do IDT considera que “o enquadramento legal existente em Portugal é o adequado ao estado de desenvolvimento da sociedade”. Por outro lado, Luís Fernandes, professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e mandatário da MGM Porto, defende “a alteração radical das políticas criminais das drogas” em geral, já que discorda da “crença de que as substâncias devem ser ilegais por serem perigosas”.

Marijuana é proibida por “razão moral”

A descriminalização da produção de cannabis traria, na opinião de Luís Fernandes, “menos polémica” associada ao uso da substância e “não diz apenas respeito ao seu uso recreativo, mas também em biocombustível, fertilizantes e têxteis”. Quanto aos problemas associados ao tráfico de marijuana, o professor acredita que se fosse permitido o “auto-cultivo para consumo” o tráfico seria reduzido.

A descriminalização da substância permitiria também uma melhor investigação, defende José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda e também mandatário da MGM Porto, presente na marcha. “Não existe investigação científica capaz sobre muitas drogas, porque elas são proibidas”, afirma. A marijuana “é proibida por uma razão moral e não por critérios científicos ou médicos”.

José Soeiro defende a legalização de todas as drogas porque “o proibicionismo falhou”. “Décadas de políticas proibicionistas em relação às drogas não têm estancado o consumo, pelo contrário, e têm feito surgir associado à realidade do consumo problemas de saúde pública”, refere.

Ao legalizar a marijuana, seria possível “controlar a qualidade” das substâncias e “dar informação a toda a gente, para que as pessoas tenham consumos informados e responsáveis”, acrescenta. O deputado considera que a abordagem do estado às drogas passa também pelo apoio à toxicodependência, que deve ser tratado “como um problema de saúde pública e não como um problema de polícia”.