Chefe da missão paraolímpica portuguesa desde os Jogos de Barcelona, em 1992, Jorge de Carvalho considera que “tem havido evoluções significativas, traduzíveis em termos de resultados desportivos e em ganhos sociais”. O desporto tem tido igualmente um papel importante na “inclusão social” e no “reconhecimento das capacidades e potencialidades das pessoas com deficiência”.

Jorge Carvalho responsabiliza os políticos e os meios de comunicação social pela pouca atenção dada aos atletas e lamenta a falta de investimentos no desporto adaptado. Antevê, porém, “grandes mudanças” no desporto nacional com a criação do Comité Paraolímpico de Portugal, responsável pelo Ciclo Londres 2012.

Enquanto chefe da missão paraolímpica, quais as expectativas para Pequim 2008?

As minhas expectativas para Pequim são de duas ordens de grandeza. A primeira é o que julgo ser o desejo de todas os portugueses de que a missão portuguesa nos Paraolímpicos de Pequim represente condignamente o nosso país. A segunda, de natureza desportiva, é cumprir os dois grandes objectivos previstos pela Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes (FPDD): a conquista de um número igual ou superior de medalhas do que em Atenas 2004 e o alargamento do leque de participação portuguesa em novas modalidades do programa
oficial dos Jogos Paraolímpicos.

Há condições para que estes dois objectivos, de natureza desportiva, sejam alcançados?

O segundo objectivo desportivo, de aumentar o leque de modalidades, já está garantido com a qualificação e a participação na modalidade da vela, o que irá acontecer pela primeira vez. Quanto aos resultados, tenho razões fundadas para ser mais prudente, uma vez que não se trata de uma questão linear, mas sim dependente de vários factores.

Depende, nomeadamente, da relação do número de atletas portugueses (neste momento temos cerca de 32 competidores em seis modalidades) versus a disputa de medalhas em mais de 500 provas das 20 modalidades paraolímpicas em que um grande número de delegações irá participar, com um número superior de competidores, em relação ao nosso país, participando vários países com mais de 300 atletas.

Atendendo aos atletas de que Portugal dispõe e aos seus respectivos percursos desportivos, que modalidades têm maiores probabilidades de conseguir chegar ao pódio?

Das seis modalidades já garantidas (ciclismo, equitação, vela, natação, boccia e atletismo) temos maiores probabilidades de conquistar medalhas nas três últimas. Mas a vela pode trazer-nos algumas surpresas na conquista de bons resultados.

Já ocupa o cargo de chefe da missão paraolímpica desde os Jogos de Barcelona, em 1992. Nota alguma evolução?

Desde esses Jogos até ao presente tem havido evoluções significativas traduzíveis não só em termos de resultados desportivos. Diria que os ganhos sociais, embora penosos e lentos a nosso ver, têm sido as maiores conquistas dos nossos atletas paraolímpicos. O desporto tem prestado um grande contributo, enquanto veículo e instrumento, para a inclusão social por um lado e por outro para o reconhecimento das capacidades e das potencialidades das pessoas com deficiência. No domínio desportivo as mudanças registadas vão desde da alteração da legislação, passando pelo aumento do financiamento, da criação das medidas de apoio a preparação e a participação desportiva.

A nível dos paraolímpicos, o que considera ser necessário mudar?

Considero urgente mudar a legislação desportiva, o financiamento da actividade desportiva, o modelo de organização desportiva para atletas com deficiência, a eliminação ou, pelo menos, a redução dos obstáculos que impedem ou limitam o acesso das pessoas com deficiência ao desporto e o sistema desportivo português, com prioridades para a promoção e o desenvolvimento do desporto para atletas com deficiência nos sectores da saúde e reabilitação, na escola, nas autarquias e no associativismo desportivo.

Há pouco investimento nestes atletas, portanto.

Ainda há pouco investimento nos nossos atletas paraolímpicos se considerarmos os encargos necessários para as acções de preparação e de competição conducente com as exigências do desporto de alto rendimento. Temos consciência da realidade do nosso país, sabemos que os recursos são sempre limitados, mas não podemos continuar a fazer de conta. Basta que se faça um estudo relativo a quanto custa, na realidade, preparar um atleta de forma a ter probabilidades de êxito desportivo no cenário do desporto mundial e, só a partir daí, os responsáveis devem definir quantos atletas podem apoiar e que resultados pretendem.

Com todos os bons resultados alcançados, os paraolímpicos portugueses têm o devido reconhecimento social?

Os paraolímpicos portugueses já alcançaram, em sete edições, cerca de 80 medalhas. Consideramos que ainda não têm o reconhecimento social que merecem, o que depende, a nosso ver, dos políticos e dos órgãos de comunicação social. Os políticos devem ter a responsabilidade de reconhecerem e valorizarem estes atletas e aos media competiria dar maior visibilidade e notoriedade aos êxitos destes nossos “super-atletas” paraolímpicos.

Se houvesse essa mudança, que consequências teria no desporto adaptado?

Temos a certeza que, a exemplo dos políticos e dos media, teríamos consequentemente a adesão do tecido empresarial e da sociedade. As pessoas com deficiência serão sempre o princípio e o fim, isto é, quanto maior reconhecimento e apoio tiverem, maior será o número de atletas e os praticantes de alta competição.

Pela relação do pequeno número de participantes com as medalhas conquistadas, considera que Portugal é um dos melhores países do mundo na prova?

Portugal tem-se situado, em relação aos 160 países participantes, no primeiro terço. Acreditamos que os resultados obtidos posicionam o nosso país entre os melhores do mundo. Após Sidney 2000, tivemos a oportunidade de realizar um estudo que nos colocava no décimo primeiro lugar entre os cinquenta países da Europa, no oitavo lugar na União Europeia e no primeiro terço mundial quando comparado com factores como o índice de desenvolvimento humano entre os países mais ricos, a densidade populacional, etc.

O “SuperAtleta”, um projecto de comunicação que visa captar parcerias e patrocínios comemora este ano o décimo aniversário. É uma aposta ganha?

O nosso país tem, no Projecto “SuperAtleta”, um dos melhores programas de marketing no domínio de desporto para atletas com deficiência, com sucessos a nível nacional e internacional. Destaco os prémios conquistados desde 1999, em Cannes, Milão, Nova Iorque, Hungria e Lisboa.

Como antevê o futuro próximo de Portugal no desporto adaptado?

O Ciclo Londres 2012 irá trazer-nos grandes mudanças no desporto nacional, tendo como finalidade a inclusão dos praticantes com deficiência nas estruturas regulares do desporto. Encontra-se em curso a constituição do Comité Paraolímpico de Portugal que entrará em funcionamento após Pequim, com responsabilidades pelo Ciclo Paraolímpico 2012, com a abertura à participação das cerca de 70 federações desportivas e dos 10.000 clubes existentes no país.