No Porto, ao contrário de Lisboa, “continuamos a tropeçar a toda a hora em pessoas que se adivinham perfeitamente desligadas de qualquer acompanhamento ao nível das estruturas de saúde”, afirmou João Goulão, presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), em entrevista ao JPN.

Esta é a justificação para João Goulão defender a implementação de salas de consumo assistido no Grande Porto, zona em que, devido à “falta de coordenação entre as estruturas existentes”, a população toxicodependente mais degradada “continua a ser muito numerosa”.

Salas de consumo assistido

– Previstas na lei desde 2001
– “A sua iniciativa deverá partir ou da autarquia ou de organizações não-governamentais, mas terão sempre que ter o acordo da autarquia”, diz Goulão

“Embora eu não conheça a realidade do Porto tão profundamente como conheço a de Lisboa, onde trabalhei no terreno, aqui na cidade do Porto ou na periferia da cidade os ecos que chegam do terreno são favoráveis à instalação de um dispositivo deste género”, garante.

João Goulão não quer “travar uma guerra” com a Câmara do Porto

No entanto, João Goulão admite não ser muito optimista quanto à implementação prática deste projecto, devido às circunstâncias, “até de algum diferendo”, que se têm gerado com a Câmara Municipal do Porto.

João Goulão gostava de conseguir convencer a autarquia portuense da “imprescindibilidade” da instalação de salas de consumo assistido, mas, afirma, “não é uma guerra que queira travar”, “muito menos uma guerra mediática, que é para onde resvalam quase sempre estes diferendos”.

O presidente do IDT garante que há questões “muito mais importantes”, como “a optimização dos recursos existentes neste momento e a sua concertação, a sua utilização sequencial”. “Pensamos que este é o caminho adequado porque ao longo dos anos fomos percebendo que havia algum desperdício de recursos por não os optimizarmos como é possível”, afirma.

Ao JPN, a assessora de imprensa da Câmara do Porto, Florbela Guedes, afirmou que a autarquia está disponível para reactivar o Porto Feliz, um programa “com êxito”, ou para analisar um eventual novo programa proposto pelo Governo. A iniciativa deve, por isso, partir do IDT e do Governo, não da autarquia.

Proporcionar “dignidade humana” a população “em estado limite”

Para Adelino Vale Ferreira, delegado regional do IDT Norte, existem bairros da zona ocidental “e também oriental” do Porto, onde seria importante instalar salas de consumo assistido. Segundo o responsável regional do organismo, estes “equipamentos de saúde” dirigem-se a “uma faixa da população que muitas vezes está aí a descoberto, com problemas de saúde pública”, em situações nas quais “a ciência já atingiu os seus limites”. “Estamos a falar de pessoas que têm problemas com sida, tuberculosas”, em que há um risco de contágio associado às “seringas abandonadas” ou às “feridas abertas, infectadas”.

Segundo Adelino Vale Ferreira, nas salas de consumo assistido seria possível proporcionar um consumo com “material esterilizado”, oferecer “cuidados de higiene, cuidados de saúde, tratamento de feridas, alimentação” e conhecer melhor “uma faixa da população já em estado limite, de degradação, que não tem já grandes possibilidades de recuperação”.

Para o delegado regional do IDT Norte, muitas vezes já só é possível oferecer “dignidade” a estas pessoas, o que considera ser “o valor básico” e “uma obrigação das sociedades”. A este nível, “as experiências de alguns países estrangeiros são extremamente positivas”, garante.

“Dúvidas” em relação a “sala de chuto” em Lisboa

Tendo-se manifestado a favor da implementação de salas de consumo assistido em Lisboa, hoje João Goulão admite ter “algumas dúvidas” em relação à “instalação de um dispositivo deste género” na capital. As hesitações “chegam também dos técnicos no terreno”, assegura.

Na cidade de Lisboa não existe “o espectáculo que víamos há meia dúzia de anos” no que diz respeito à população toxicodependente “mais desorganizada”, que “é cada vez mais residual, porque vai sendo tocada pelas estruturas que estão no terreno”, descreve.