O baixo índice de escolaridade é umas das características das crianças e jovens ciganos. O receio de alguns pais Roma que os seus filhos sejam vítimas de discriminação e o desrespeito pela cultura cigana são as principais razões que os levam a retirar as crianças da escola.

Para o presidente da União Romani Portuguesa (URP), Victor Marques, mesmo que uma criança tenha motivação e dedicação para estudar, ela “tem de encontrar soluções para que não seja posta de lado pelos restantes elementos da turma”. Lidar com o campo emocional de uma criança é, assim, “uma tarefa complicada“, uma vez que “é difícil para ela deixar a sua cultura da parte de fora da sala de aula e absorver outra quando a campainha toca”.

O presidente da URP critica a falta de um “ethos cultural nas escolas”, para que todas as crianças “consigam adaptar-se e lidar com as diferenças, respeitando-as”.

Ethos

É um termo genérico que designa o carácter cultural e social de um grupo ou de uma sociedade. É uma espécie de síntese dos costumes de um povo.

Ser socialmente aceite no seio de uma turma é algo que “uma criança cigana se esforça [por fazer] quase todos os dias”. Uma tarefa que, segundo Victor Marques, devia ser facilitada pelos professores, mas que, em contrapartida, apenas “continuam a ser meros meios de debitação de informação”.

O responsável acrescenta ainda que os docentes, que deveriam funcionar como exemplo para os mais novos sobre como lidar com as diferenças culturais, em alguns casos, são os “primeiros a revelar atitudes discriminatórias para com os estudantes ciganos”.

“A minha filha chorava todos os dias porque a professora andava a bater-lhe”

Delfina, do Bairro do Lagarteiro, é mãe de cinco filhos. Já teve que resolver uma situação de discriminação e maus tratos de uma professora para com a sua filha. A moradora do bairro do Porto disse ao JPN que desde sempre a filha, Maria João, teve uma forma de estar calma e “não embirrava com ninguém”. No entanto, houve uma altura em que Delfina começou a estranhar o comportamento da filha. “Ela ia fechando-se cada vez mais no seu quarto e não falava para ninguém”.

Sinais que revelavam que algo não estava bem. Apesar de insistir com filha para que ela contasse o que se estava a passar, Delfina veio a descobrir, por intermédio de uma sobrinha, que a filha era vítima de maus tratos pela docente. “A minha filha chorava todos os dias e estava cada vez mais tímida, porque a professora andava a bater-lhe e a ameaçá-la”, contou.

Para evitar que mais casos como o de Maria João se repitam, Victor Marques diz ser “urgente” a colocação de professores multiculturais nas escolas para que as “as crianças ciganas possam rever-se em alguém pertencente à sua comunidade que está ali para os ajudar e para os proteger”.

Mulheres podem ser vistas como um motor de ruptura da comunidade cigana

Apesar de hoje em dia não ser tão comum as raparigas ciganas abandonarem a escola ao 6º ano, a verdade é que uma das características da população é o casamento precoce, o que leva a que as jovens, por volta dos 12 anos, tenham que deixar de estudar. Uma decisão que funciona como “uma estratégia defensiva”.

De acordo com o antropólogo André Correia, sendo a mulher um símbolo de procriação, os homens ciganos, sobretudo os mais velhos, acham que as raparigas, “se continuarem na escola podem deixar de ser ciganas, porque acabam inevitavelmente por namorar um não-cigano”.

Foi o que aconteceu a Paula, residente no Bairro do Lagarteiro. Com 22 anos, já carrega no colo um filho resultante de um namoro com um rapaz de fora da sua comunidade. Teve que fugir durante dois meses para casa da tia do namorado, para demonstrar aos pais que quem fazia as suas opções de vida era ela. “Tive que fugir, porque senão o meu pai batia-me e não me deixava namorar com um não-cigano”, disse a jovem que, aliada à intenção de ser mãe, viu na gravidez uma forma de convencer o seu pai que estava disposta a manter o relacionamento.

Assim, mais do que um simples receio é um medo. “As mulheres podem ser vistas como um motor de ruptura da comunidade cigana”, afirma André Correia.