O trauma histórico

Foram várias as perseguições contra os ciganos portugueses ao longo dos anos, nomeadamente:
– A expulsão para Espanha;
– O açoitamento em praça pública;
– A expatriação dos homens para as galés por períodos de três, seis ou dez anos ou para toda a vida;
– O estabelecimento da pena de morte;
– O embarque forçado das mulheres, homens e casais para o Brasil e para África;
– A proibição do uso da língua, do traje e das suas profissões tradicionais, como a feira;
– Apropriação legal dos seus bens e mercadorias.

Alguns chamam-lhes gypsies ou “zíngaros”, outros chamam-lhes Roma ou simplesmente ciganos. A origem desta minoria étnica não é consensual entre os investigadores. O senso comum acredita nas lendas que lhes são contadas sobre as raízes do povo cigano. No entanto, alguns membros da própria comunidade acreditam na teoria segundo a qual o seu berço foi a Índia de há três mil anos e de onde foram expulsos.

Normalmente vistos como possuidores de poderes psíquicos por causa do estereótipo do “cigano que prevê o futuro”, os Roms vivem hoje espalhados pelo mundo. Em Portugal, segundo a Pastoral dos Ciganos, existem 40 mil pessoas de etnia cigana. Um número contrariado por Victor Marques, presidente da União Romani Portuguesa (URP), que assegura que o número de ciganos no país ultrapassa os 80 mil.

Os recentes episódios de violência no Bairro da Quinta da Fonte, em Loures, entre indivíduos das comunidades cigana e africana, revelaram algo negado por muitas pessoas não-ciganas: ainda persistem vários preconceitos e estereótipos para com esta comunidade.

Uma tendência confirmada pelo Relatório da Comissão Europeia (CE), divulgado a 2 de Julho, sobre a exclusão social da etnia cigana. De acordo com o documento, existem “milhões de europeus ciganos alvo de discriminações a nível individual e institucional com vastas repercussões”.

“A simples palavra ‘ciganos’ tem uma conotação negativa”

As razões que explicam a discriminação para com a comunidade Roma podem oscilar entre o nomadismo que caracteriza esta minoria étnica e o desconhecimento da cultura cigana. Luís Pascoal, do Gabinete de Apoio às Comunidades Ciganas, considera que a ideia que as pessoas têm dos ciganos é “perfeitamente preconceituosa”. Para o responsável, o fenómeno da discriminação da população Roma está muito enraizado na cultura portuguesa, de tal modo que “a simples palavra ‘ciganos’ tem uma conotação negativa”.

Segundo André Correia, antropólogo do Centro de Estudos Territoriais (CET) do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), o facto de os ciganos estarem constantemente a mudar de região não é visto com bons olhos pela opinião pública que “teima em não ver qualidades de uma cultura diferente”.

Para o antropólogo, se por um lado os ciganos são um povo nómada, por causa da sua própria origem, por outro a legislação pré-25 de Abril “não permitia que a comunidade cigana estivesse mais do que 24 horas no mesmo local”, obrigando-a a estar em constante deslocação.

Victor Marques defende uma ideia diferente. Para o presidente da URP, não existem nómadas em Portugal. “O que acontece é que os ciganos em Portugal são, como sempre foram, um povo com extrema mobilidade, mas estão sedentarizados num determinado local”. A capacidade de uma família cigana de se ausentar alguns meses da sua casa em “busca de maior sucesso em feiras” é um dos exemplos que levam as pessoas a rotular os ciganos como “nómadas”.

“Atitudes que os ciganos têm são consequência do que lhes foi feito no passado”

Os estereótipos negativos que se criam em torno dos ciganos são, segundo André Correia, “consequência daquilo que lhes foi feito no passado”. “Aquilo que se passa nos dias de hoje precisa de um enquadramento, a maioria das pessoas não sabe o que se passou nestes 500 anos de relacionamento entre nós e os ciganos”, disse.

O presidente da URP critica o Estado português que “insiste em desconhecer que, historicamente é responsável pela produção de uma parte significativa da pobreza e da marginalidade desta minoria de portuguesa” ao ter permitido acções como o de extermínio, durante o tempo da Monarquia em Portugal.